poverty-1274179_1920

Eu percebi seu incômodo quando a primeira pessoa se aproximou e pediu dinheiro para comprar remédios para a filha. Minutos depois, nova interrupção: um rapaz queria um trocado para um sanduíche. Ela se apressou e disse:

— Não te dou dinheiro, mas compro o lanche. Pode escolher.

— Qualquer um do cardápio?

— Qualquer um.

O segurança do bar não escondeu sua insatisfação; a garçonete riu e foi logo providenciar o pedido; o garçom, incrédulo, checou o número da mesa várias vezes. O rapaz comeu, agradeceu e sumiu. Não falamos sobre o assunto, mas eu me senti pequena perto dela.

Até que uma terceira pessoa apareceu: uma senhora, com os cabelos bem brancos, pediu dinheiro para o tratamento contra o câncer. Meus olhos miraram a receita toda amassada e ilegível e depois se moveram para a minha amiga, cujo semblante estava inacreditavelmente sem reação. Envergonhada, torci a cabeça e a boca, como quem pede desculpa pelo não. Quando a senhora se foi, olhei para a minha amiga e reduzi ainda mais de tamanho. Seus olhos estavam cheios de lágrimas.

— Eu nunca sei o que fazer, porque… e se for verdade?

Tentei me justificar:

— Eu sei, mas será que ela estaria aqui, nesta idade, a essa hora, se estivesse doente?

Eu precisava acreditar que não era tão mesquinha assim. Só que a gente não escolhe as lições a aprender, certo?

— Quando a gente realmente precisa, aguenta tudo.  E mais: basta que uma única pessoa acredite em nós.

Ela me falou, então, de Eduardo, o homem que acreditou nela. Com cabelo loiro e toin-oin-oin, ele era motorista de ônibus. Entre tantos passageiros, ele se lembrava dela, sem ter lhe dirigido uma única palavra antes. Abordou-a na rua em um dos dias mais difíceis da vida dela:

— Ei, moça! MOÇA! Escutei sua história e sei quem você é. Passo no ponto perto da sua casa por volta das 6h30. Esteja lá.

Minutos antes, ela havia conversado com o responsável pela viação e solicitado autorização para entrar temporariamente pela portas dos fundos do ônibus. O pai havia morrido, a mãe não conseguia sustentar a casa e ela não queria largar os estudos.  Mostrou até a certidão de óbito e a carteirinha da escola, sem nem imaginar que tinha alguém mais escutando. 

— Mas o despachante disse que não pode, que vocês podem ter problema com a fiscalização.

Eduardo explicou:

— Quem quer estudar tem lugar no meu ônibus. E você entra pela porta da frente.

Ela nunca esqueceu o nome, as feições e a lição que Eduardo a ensinou. Ele não pediu provas nem a encheu de perguntas; só acreditou em suas palavras e fez o que estava a seu alcance.  Sua generosidade a marcou tanto que ela passa adiante: dá um prato de comida a quem precisa e tatua a compaixão em quem, na rotina, se esquece dela.