Não procure defeitos, não rastreie cabelos brancos, não se incomode com as espinhas, não brigue com a celulite e não se atormente pelas rugas. Segundo a Universidade de São Paulo (USP), 7 entre 10 mulheres estão insatisfeitas com o seu corpo. Paula já esteve entre a maioria e hoje faz parte do outro grupo. 

Ela passou a infância e a adolescência sendo chamada de magrela. Aos 18 anos, por exemplo, media 1,65 metro e pesava 42 quilos. “Eu me achava horrorosa. Minha adolescência foi muito conturbada. Sempre fui extremamente autocrítica e isso tomou uma proporção perigosa, pois, em alguns momentos, eu me sentia disposta a tudo para acabar com meu sofrimento”.

Nessa época, ela ainda ingressou na faculdade, aquele período excitante e complicado, em que você descobre a carreira que escolheu para si, desbrava novos ambientes e se vê rodeado de pessoas diferentes. É o início da vida adulta, com todas as vantagens e desvantagens que isso traz.

Menos de um ano depois, Paula perdeu 80% da visão por uma doença ocular, a Ceratocone, que afeta a córnea. “Por não enxergar, passei por muitas situações constrangedoras e isso aumentava a raiva que eu sentia de mim mesma. Teve uma época em que não conseguia ver meu próprio rosto”.

Paula não passou de um grupo que odeia o espelho para outro de uma hora para outra. Foi um longo processo, que envolveu ajuda de diversos especialistas. Para recuperar a visão, por exemplo, ela usou lentes nada confortáveis e entrou na fila do transplante de córnea. “Mesmo com essas dificuldades, meu rendimento nunca caiu e fui brilhante em toda a graduação”. A primeira cirurgia ocorreu em 2002 e a segunda, dois anos depois. “Em cada cirurgia tomei 25 pontos dentro dos olhos, que depois de 6 meses começaram a cicatrizar. Comecei a enxergar devagarzinho e cada contorno novo foi festejado e acolhido com muito amor”.

As córneas resgataram a nitidez, mas o olhar amoroso e compassivo nasceu de um mergulho na própria história. “Comecei a fazer terapia com a mesada que ganhava. Foi um divisor de águas no meu processo de autoamor e autoaceitação”. Foram 8 anos de análise, que ajudaram Paula a recuperar verdadeiramente a visão sobre si. “Eu fui vendo o quanto eu era especial, o quanto meu corpo me pedia socorro inconscientemente, o quanto ele buscava amor e eu, brava, virava a cara. Foi lento, foi suado, mas foi recompensador. Fui me vendo e me amando aos poucos, assim como os casais que se apaixonam vagarosamente e, quando se dão conta, não conseguem mais suportar a distância. Essa é a relação que estabeleci comigo mesma”.

Quando se olha no espelho hoje, Paula celebra cada pedacinho da imagem que vê. “Sem modéstia, eu amo meu corpo magro, minhas rugas, meus cabelos brancos. Eu amo me olhar no espelho e notar cada detalhe”. Pela experiência que tem na vida pessoal e profissional, já que se tornou psicoterapeuta, ela fala com propriedade sobre os passos para a mudança. “É preciso primeiro concordar com a realidade como ela é”. Para fazer as pazes com o espelho e com você, comece se enxergando um pouco por vez. “Eu enfrentei todas as revoltas e discordâncias e superei a extrema autodepreciação, principalmente porque percebi que não tinha coerência e nem origem. Nem eu mesma sabia da onde vinha tanta crítica”.

Assim, pouco a pouco, Paula criou até um ritual, que qualquer um pode repetir. Quando se olhar no espelho, olhe-se nos olhos e diga: Eu te amo incondicionalmente, te aceito e te acolho do jeito que você é. E sempre, sempre se despeça com um sorriso.