Duda, em Cerro Campanario, em San Carlos de Bariloche (arquivo pessoal)

Duda tinha um sonho bem guardado no fundo da alma. O motivo para suprimir aquele desejo do coração não é nada incomum: assumir as rédeas da vida. “Depois que terminei a universidade, eu tive um momento largo de turbulências consecutivas em relação a trabalho, amor e família. Em cada “chacoalhada” que recebia em minha vida, eu respirava fundo, ordenava tudo e seguia adiante. Quando tudo parecia estar estável, vinha outra sacudida”. Quando a exaustão chegou ao limite, ela resolveu reescrever sua história e transformar o que parecia utopia em realidade. 

“Meu sonho sempre foi viajar e conhecer o mundo, só que eu não sabia o que era explorar novos países nem como se fazia isso”. Quando cansou de brigar com a vida, traçou um plano para sair de Pelotas. “Eu não tinha dinheiro e tampouco coragem de sair para o exterior, então a solução que encontrei, em setembro de 2017, foi trabalhar durante a temporada de verão em alguma praia de Santa Catarina e depois viajar para conhecer o litoral brasileiro até o norte. Com a primeira resolução, eu poderia juntar dinheiro em pouco tempo de trabalho e, com a segunda, eu conheceria outros viajantes estrangeiros e me sentiria segura para partir do meu país”.

Armada de uma coragem que ela nem sabe de onde tirou, mas desconfia que é do coração, Duda mandou mensagens por AirBnB para várias pousadas. “Uma mulher muito simpática da Praia do Rosa me respondeu e eu me identifiquei com a hospitalidade dela. Reservei duas noites, procurei carona em um aplicativo e, três semanas depois, estava pisando na praia. Isso foi tudo que planejei”.

Decidida a abraçar o que a vida lhe trouxesse, inclusive aquele “frio gigante na barriga”, ela abraçou o paraíso catarinense. “No terceiro e último dia no Rosa, eu consegui hospedagem na casa de um amigo de um conhecido. No quarto dia, eu tinha dois trabalhos e, no sétimo dia, um terceiro trabalho com hospedagem”. Colocou a mão na massa e viveu ali de outubro ao fim de maio, quando partiu para um novo sonho. “Vim para a Argentina com o intuito de aprender a falar espanhol e trabalhar na temporada de inverno para, depois, viajar para a Patagônia”.

Para chegar ao extremo sul do continente, segue controlando custos, pegando carona e se hospedando através de Couchsurfing. Em cada pedacinho da jornada, libera o peso do passado e abre mão do controle da vida para descobrir a verdadeira Duda. “De tudo isso, eu acredito que meu espírito sempre foi livre. Desapego para mim é como uma dorzinha boa, rapidamente passageira e muito evolutiva. Sinto um prazer gigante cada vez que penso em não ter mais algo. Estar feliz, viver bem e cada vez com menos é um prazer sem tamanho pra mim. E, com isso, descubro a cada dia a naturalidade de apenas ser”.

Duda mostra que é possível se libertar de amarras sociais, políticas e econômicas. “Aprendi que liberdade é a forma mais linda do amor. É ir para onde, como e quando quero, algo que vem da minha família; é viajar, conectar-se, estar com o coração aberto para amar sem medo; é sentir e viver o que sinto comigo mesma, com o outro e com o mundo. Isso é amor e a liberdade tem essa forma”.

Entre os pesos que deixou para trás, está um equívoco bem comum. “Por muito tempo, eu me senti rejeitada ou não amada por minha família, amigos e relações, porque o amor tinha antes para mim um conceito, um caminho, um segmento. Tinha começo, meio e fim. Com a liberdade aprendi que não existe script, apenas se sente. Aprendi a escutar meu coração. Liberdade é esse estado de sentir e ser; é o hoje e é o presente. Faço o que sinto, o que vem de dentro de mim, do meu coração. Não existe hoje nenhuma sociedade que dita minhas escolhas, tampouco que me julga”.

Já que respeito é um tema em pauta no país, Duda também compartilha o que aprendeu sobre isso. “Se você me ama, me ame. Se você está brabo, reaja como sente. Se gosta de fumar, que disfrute. Se come muita carne, se tem ideias, comportamentos ou qualquer outra coisa muito diferente do que já conheci, que o viva, sinta e seja exatamente quem você é. A liberdade do outro de ser e mostrar quem é dá a mim liberdade de me conhecer. Não existe certo nem errado, mas processos diferentes de evolução. Estamos todos aqui para aprender – consigo mesmo e com o outro”.