Todos os dias ao acordar Ana corria para a internet. Não se importava com as notícias, não lia o horóscopo, consumia somente poesia. De um único autor.
Naquela manhã, ele tinha postado uma carta de amor. Cada palavra parecia datilografado no coração de Ana:
Ela saiu da reunião e logo trocou o salto pelo tênis. O céu riscado chorava lágrimas finas, tão diferentes daquelas que Juliana segurava dentro de si. Ela respirou fundo e sentiu a bile da rejeição subir à boca. Era só mais um dia de autoestima dilacerada, pensou.
Procurou na bolsa a sombrinha, deixada no conforto do sofá de casa. Enfrentou a rua com a cabeça erguida – não por orgulho, para sobrevivência. A cada passo sua roupa ficava mais encharcada; sua alma, mais pesada. Resistir era exaustivo.
Foto: @imoreirasalles, que torna disponível na internet seu acervo de manuscritos e partituras de Chiquinha.
“Eu não entendo a vida sem harmonia”, informou ao marido Francisca Edwiges Neves Gonzaga, a Chiquinha Gonzaga, autora da primeira marchinha de carnaval e a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. Ela se separou daquele homem com quem foi obrigada a se casar aos 16 anos de idade. Não foi fácil. Teve que deixar os filhos e foi considerada morta pelos pais. Para (sobre)viver, dedicou-se à música que transbordou cedo do seu coração – aos 11, compôs sua primeira canção. Imagine quantas críticas ela ouviu e ainda hoje ouviria.
Ninguém mais pode explicar esse autorretrato como a própria autora: “Para mim, um retrato é coisa tranquila, séria, definitiva, como um monumento que a gente contempla sem se cansar.”
E não é?
Tarsila do Amaral morreu em 17 de janeiro há exatos 50 anos. Tornou-se um dos pilares da Semana de 22, mesmo não tendo participado dela. Trouxe para as artes plásticas do Brasil elementos novos, apaixonou-se pelo regionalismo, exercitou vários estilos e se tornou, 47 anos após o seu falecimento, a artista com a tela de maior valor já pago em leilão público no Brasil. E não estou falando do “Abaporu”, mas do quadro “Caipirinha”.
Morreu no hospital, de complicações pós-operatórias, aos 83 anos. Teve uma vida inspiradora – virou fonte de poemas para Mario; de romance, para Menotti; de amores, para Oswald, que lhe roubou o chão ao trocá-la por uma mulher mais jovem.
Foi descrita pelo colunista social José Tavares de Miranda da seguinte maneira: “Tarsila mede 1 metro e 64 centímetros, descalça. Pesa 60 quilos (vestida). Sabe comer muito bem e aprecia a cozinha francesa. Seu prato predileto é “civet de lapin”. Adora os bons vinhos. Em materia de doces é bem brasileira. Gosta demasiadamente da cocada à antiga, isto é, com bastante gema de ovo. Bebe religiosamente seu cafezinho à paulista. Nunca passou sem possuir uma boa adega em sua casa, mas adora a sua batidinha “Pau Brasil”, bebida de sua criação e servida em suas festas. Receita: pinga e gim em partes iguais; limão, açúcar, clara de ovo bem batida e gelo. Adora jaboticaba. O primeiro livro que leu na vida foi o “Tronco do Ipê”, de José de Alencar. Livros de cabeceira: o “Dom Quixote” e a “Odisseia”. Não fuma, é espiritualista, tem horror aos gordos em geral e às borboletas gordas em particular. Adora jardinagem. Prefere pintar de noite”.
Contudo, a melhor sentença, esta sim definitiva, é a do imortal Manuel Bandeira: “Nunca vi boniteza tão brasileira como a da pessoa e dos quadros de Tarsila”.
“O que aconteceu com Amelia Earhart que segura as estrelas lá no céu?”, perguntou o New Radicals em uma música de 1998, quando o desaparecimento da aviadora se mantinha um mistério.
Ela foi declarada morta em um 5 de janeiro, há 83 anos, após quase 2 anos de buscas. Nascida em 1897 nos EUA, ela decidiu aos 23 que o seu destino era voar. Tornou-se parte de uma geração de mulheres disposta a promover mudanças – no caso dela, não só estéticas, com seus cabelos curtos e calças compridas (foto 1), como também na ambição e nas escolhas.
Às vezes, as palavras ficam entupidas. Não é um simples bloqueio criativo; é uma obstrução provocada pela recusa dos neurônios a fazer certas sinapses. Talvez haja algo que ainda não pode ver a luz do dia; talvez esse algo esteja ainda sendo gestado.