“Nós queremos falar de amor, paz, de se comunicar, feminismo, racismo e guerra. Das coisas que estão acontecendo”. Esta declaração foi dada em um período turbulento, marcado por derramamento de sangue, ódio e intolerância. Podia ter sido dada por alguém no Brasil, nos EUA, no Reino Unido ou na Síria. Infelizmente não faltam, nesse quesito, alternativas. Foi dada, porém, por John Lennon, em 1972, durante a sua participação no Mike Douglas Show.
O talk-show americano não demonstrava nenhuma consciência social, segundo a revista Rolling Stone, mas teve que ceder aos desejos de Lennon e Ono que assinaram a produção e a apresentação do programa durante uma semana. O casal havia se mudado para Nova York para fugir da histeria provocada pelo fim dos Beatles e da perseguição de fãs, conta James A. Mitchell, em John Lennon em Nova York – Os Anos da Revolução. Na Big Apple, eles podiam caminhar pelas ruas tranquilamente e se dedicar a outros temas como causas sociais.
Foi esse espírito que o cantor levou para o programa de TV. De um lado, negociou e brigou por cada convidado, como um dos líderes dos Panteras Negras. Disse: “Nós acreditamos em imagens, mas deveríamos saber melhor que isso”. Seu propósito era dar uma chance a personalidades polêmicas e revolucionárias, que podiam ali expor quem realmente eram. “É tempo para que falem por si próprios e mostrem sua humanidade”, explicou ao host Mike Douglas. O envolvimento de Lennon com os movimentos sociais incomodou os Estados Unidos, que chegou a considerá-lo uma ameaça ao país. Virou desafeto de Nixon, foi espionado pelo FBI e quase teve seu greencard negado.
Por outro lado, o inglês passou também por alguns apertos com o apresentador do programa, que mostrou desconforto com alguns convidados e cometeu algumas gafes, ainda que com boa intenção. Uma delas ocorreu logo no início do show, quando Douglas assumiu o microfone, cantou Michelle e a atribuiu a John, o convidado da noite. Mitchell contou que nos bastidores o cantor teve um ataque nervoso; em frente às câmeras, foi mais polido e se limitou a dar os créditos ao ex-parceiro Paul McCartney.
Yoko permaneceu o tempo todo ao seu lado. Com sua voz fina, interagiu com Douglas, com convidados e com a plateia. Odiada pelos fãs dos Beatles e boicotada por técnicos de som, ela foi descrita no livro de Mitchell como a parceira de John “na luta pela liberdade de expressão e pela manifestação artística”. O casal conheceu-se durante uma exposição dela em Londres. “Nossas mentes se encontraram antes dos nossos corpos”, declarou o cantor no programa de Douglas. Entre as interações promovidas por Ono durante aqueles cinco episódios estava um trote do bem – uma ligação telefônica para números aleatórios para dizer simplesmente Nós te amamos a desconhecidos. Ela também fez circular uma caixa cheia de espelhos para as pessoas rirem de si. Seu objetivo era promover de uma forma tão simples uma coleção de sorrisos, todos espontâneos. Era assim que a polêmica e excêntrica mulher de Lennon esperava espalhar paz e amor, cujo gesto ela reproduziu inúmeras vezes em fotos.
No Mike Douglas Show, o casal apontou o diálogo como resposta à efervescência política e social. Viam na música e na arte – uma habilidade possuída por todos, de acordo com John e Yoko – o componente ideal para apaziguar ânimos e promover a união. Imagine. Há quatro décadas, os mesmos dilemas, um simples remédio. O mundo, infelizmente, parece que não mudou tanto assim. Continua, no mínimo, teimoso.
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