Também confinado, Aurélio saiu, literalmente, do armário nessa quarentena. Foi um conselheiro leal, até se tornar… dispensável. A demissão, sem ao menos um “muito obrigada” ou “até logo”, impôs-lhe uma aposentadoria compulsória. Estava decretado o seu fim.

Ou assim parecia, pois Aurélio continuou fiel aos bons costumes, ainda que encostado em um canto escuro, sem ver a luz do sol. Acompanhou de longe as transformações da sociedade, que altera seus códigos, condutas e linguagem em uma velocidade exponencial – palavra, aliás, que ele desconhecia. Que ironia!

Por isso, não dá para dizer que ele não sentiu a passagem do tempo. Como todo mundo, Aurélio ganhou dobras ao longo desses anos. Nem vou falar da lombalgia, ao menor sinal de movimento. Parece que está “tudo” prestes a se soltar. “Os inimigos”, sempre mais cruéis, diriam que Aurélio encolheu, já não é mais o mesmo. Talvez tenham razão, mas ele não dá ouvidos a essas bobagens.

Deixou o isolamento para se mostrar como é, sem medo de estar fora de moda. Preservou, afinal, dentro de si o que lhe é mais caro. Faz das palavras verdadeiros tesouros. Demonstrou que ainda carrega vocábulos capazes de expressar carências e excessos dessa quarentena: amplexos, busílis, cavaqueira, derriços, esparrelas, frêmitos, guedelhas, huns, jactâncias,  loas, mutismo, nevroses, óbolos, porfias, quixotadas, ressaibos, suetos, tirocínios, usanças, vênias, xepeiros e zéfiros.

O mundo pode até ter se tornado líquido, assim como o amor e o tempo. Mas alguns hábitos, propósitos, palavras, sentimentos, amores… são para sempre.