(Fonte desconhecida)

Assim que entrei no carro, a primeira pergunta que fiz ao motorista foi: “como eu pronuncio o seu nome?”

Até então, eu nunca tinha visto tantas vogais juntas.

Ele esclareceu. E repetiu. Mais de uma vez.

Perguntei se havia algum significado no nome. “Se tem, só a minha mãe sabe, pois ela o inventou – o meu nome e o de oito dos meus dez irmãos”, disse.

Cantou, então, o nome da família, como se tivesse decorado uma parte da tabela periódica. Só Dolores e Domingos se destacavam na lista. Eram tão… comuns.

Pedi que repetisse. Uma, duas, três vezes. Era muito bom para ser verdade.

D nasceu no sertão de Pernambuco. Foi criado praticamente pela mãe, pois o pai, caminhoneiro, passava longas temporadas fora de casa. A cada retorno, ele deixava como recordação mais um filho na barriga da esposa.

Ela criou os 10 filhos ao mesmo tempo que gerenciava um pequeno hotel. Segundo ele, não havia bagunça na casa, nada que pudesse perturbar os hóspedes. As crianças comiam em uma mesa só delas, separadas dos adultos, e em silêncio. 

Ainda assim, sua infância foi uma farra. A vida era simples, mas ele desfrutou até os 11 anos de uma liberdade da qual nunca mais sentiu o gosto. Nessa idade, o pai resolveu trazê-lo, junto com um dos irmãos, dois anos mais velhos, para São Paulo.

Aqui, tão longe de lá, ainda mais em uma época em que não havia internet e o custo de uma chamada interurbana era pornográfica, eles se hospedaram na casa da… madrasta. Ou a outra esposa do pai.

Sim, o homem tinha, pelo menos, uma segunda família na capital paulista. Ninguém duvidava que ele tivesse mais, em outras cidades por onde passava. O pai, disse D, era assim: arrumava um lugar para descansar e uma mulher para mimá-lo, sem compromisso nenhum em criar os filhos. Podia até dar o nome, mas se mantinha um estranho.

Os dois irmãos não se acostumaram à outra família e decidiram sair da casa, para alívio da madrasta. Começaram a trabalhar e, com o dinheiro contado, pagavam um quarto em uma pensão.

O D caçula não se esqueceu das palavras da mãe, de que o estudo seria a sua salvação, e logo se matriculou em um curso noturno. Tinha uma rotina e uma disciplina bem diferente da do irmão. E tanto sacrifício valeu a pena.

Conseguiu empregos melhores, fez faculdade de administração e, com o canudo na mão, abriu o seu próprio negócio. Conquistou tudo o que sempre quis e ajudou a família do jeito que pode, dando emprego ou mandando dinheiro. Os problemas começaram quando ele teve que se ausentar para tratar da saúde. O lucro começou a encolher.

Ele não acreditava no velho ditado de que o “olho do dono engorda o gado”. Tinha treinado a sua equipe, confiava em cada um – principalmente, naquele que foi promovido a gerente durante a sua ausência. Olhava as contas, comparava com o estoque e não conseguia encontrar onde estava o problema. Até a bomba explodir.

O seu “braço direito” não só tinha desviado dinheiro, como tinha aberto uma loja a poucas quadras dali. A descoberta não foi feita em tempo de salvar o negócio. D foi obrigado a fechar as portas para honrar o compromisso com os fornecedores e demais funcionários. “Isso era o mais importante naquele momento”, disse. Vendeu tudo o que tinha para manter o nome limpo na praça.

Hoje, ele percorre as ruas da cidade enquanto desenha o seu plano de reconstrução. “É só uma fase”, garante, demonstrando mais brilho nos olhos pelo que ainda pode conquistar do que pelo que perdeu.

A estrada é longa, mas ele conhece bem os caminhos. Afinal, esperança nunca foi só uma palavra para D; é o combustível que o move.