Em uma abafada tarde de primavera, São Paulo tornou-se cenário de um filme de Fellini. A personagem central era uma italiana de Gênova, de pele clara e brilhantes olhos azuis. Com mais de 80 anos, ela estava toda arrumada e perfumada para o almoço que teria na casa de amigos. Desceu do táxi antes da hora e se perdeu em um quarteirão tombado do Itaim Bibi.
— Mocinha, por favor, qual é o nome dessa rua? É Napoleão Michel?
Não era, mas seu destino estava a menos de 300 metros de distância. Àquela altura, a desconhecida já havia trocado a desconfiança pela gentileza, dois sentimentos tão paulistanos. Na cidade onde as pessoas vivem com pressa, ela ofereceu à senhora seu braço, sem se importar com o compromisso que tinha a cumprir.
Descobriu, então, um nome que jamais tinha ouvido: Fiammetta. “Com dois M e dois T”, reforçou a senhora mais de uma vez. Sem rodeios, a italiana tornou rapidamente a desconhecida em uma confidente e amiga. Em questão de segundos, criou-se entre as duas uma cumplicidade que, às vezes, anos de convívio não são capazes de gerar.
Fiammetta é neta de um armador de navio, que foi tão rico que chegou a ser dono de uma villa. Ela se mudou para São Paulo aos três anos. Desembarcou em Perdizes, deslocou-se para a Pamplona e se estabeleceu definitivamente em Pinheiros. Estudou no tradicional Dante Alighieri e nadou pelo Pinheiros.
Em 1963, quando ainda vivia mais dentro das piscinas que fora delas, integrou-se aos 1665 atletas de 22 países que disputaram os Jogos Pan-Americanos, em São Paulo. A abertura do evento ocorreu no lendário Pacaembu. Entre os 385 atletas brasileiros estava Fiammetta, que ajudou a alçar o país para a segunda posição no quadro de medalhas, atrás somente dos EUA. Ela foi medalha de bronze com a equipe do nado sincronizado.
A paixão pela natação foi sustentada pelos pais e seu talento foi reconhecido publicamente em inúmeras fotos publicadas nos jornais, várias ao lado de Pelé. Das glórias de atleta sobraram muitas lembranças e pouco dinheiro, o que a fez se dedicar também à documentação científica na Faculdade de Medicina da USP.
Seu fôlego permanece o mesmo de outrora – Fiammetta manteve o ritmo da caminhada sem reclamar ou ficar com a respiração ofegante. A desconhecida até tentou reduzir o passo várias vezes, mas a elegante senhora só aceitou o convite uma única vez e por um um bom motivo: admirar a paisagem ao seu redor.
Naquela tarde de sábado, como em Gênova, Roma ou em qualquer outra cidade italiana, as mesas na calçada estavam ocupadas por pessoas que comiam, bebiam e conversavam animadamente. O que tornava a cena tão brasileira não era o idioma que ecoava dos círculos, mas os pardais e as maritacas que se espremiam em duas casinhas de madeira, sustentadas por fios de aço.
No ponto final, as duas se despediram não com tristeza, mas com saudade. Entre reticências, ficou também uma certeza. Fiammetta significa em italiano pequena chama. Sabe aquela escandalosa simplicidade italiana que transforma qualquer dia? Pois então, essa pequena chama também circula pelas esquinas de São Paulo. Mesmo sem o adorno de fontes ou indecorosos gelatos, ela é capaz de tornar a vida de qualquer um mais doce.
Deixe um comentário