
Eu queria que você conhecesse a Sylvia Beach. Filha de um reverendo da igreja presbiteriana, ela se estabeleceu em Paris no início do século XX. Descobriu ali várias paixões, que a levou ao segredo mais bem guardado da humanidade.
Essa história começa quando Sylvia conhece sua primeira paixão, Adrienne Monnier, dona do La Maison des Amis des Livres, que vendia e emprestava livros. Daquele encontro e de tudo que tinham em comum, nasceria a segunda paixão de Sylvia: a Shakespeare and Company.
Aberta em 19 de novembro de 1919, uma das livrarias mais famosas de Paris nasceu originalmente na 8 rue Dupuytren. O negócio de Sylvia ganhou, dois anos depois, um espaço melhor, na esquina da 12 rue de l’Orien, onde se tornou o centro da chamada Geração Perdida. Ernest Hemingway descreveu, em Paris É uma Festa, aquele espaço: “Nessa rua fria, varrida pelo vento, a Shakespeare and Company era um lugar acolhedor e alegre, com um grande fogão aceso no inverno, mesas e estantes de livros, novidades na vitrina e, nas paredes, fotografias de famosos escritores vivos e mortos”. A Shakespeare and Company era bem mais do que uma livraria: além de vender e emprestar livros, serviu como banco, correio e hotel para expatriados.
Sylvia era apaixonada por literatura, mas sua maior qualidade era enxergar o potencial das pessoas e fazer tudo ao seu alcance (ou até um pouco mais) para ajudar aqueles que tiram das palavras sua sobrevivência. Hemingway a descreveu como a dona de um rosto “animado, de linhas marcantes, com olhos castanhos tão vivos como os de um pequeno animal e tão alegres como os de uma menina. Seus cabelos, castanhos e ondulados, ela os penteava para trás da sua bela testa e eram abaixo das orelhas, na altura da gola do blusão de veludo castanho que costumava usar. Tinha lindas pernas, era amável, alegre e participante, e gostava de fazer brincadeiras e contar mexericos. Jamais conheci alguém que tenha sido mais gentil comigo”.
Hemingway, que morou em Paris entre 1921 e 1926, tinha pouco dinheiro no bolso e alimentava sua alma com os livros que Sylvia lhe emprestava. Outros escritores expatriados passaram por lá, como F. Scott Fitzgerald, Gertrude Stein e Ezra Pound, mas nenhum deles foi mais especial que James Joyce. Eis a terceira paixão de Sylvia!
O irlandês começou a escrever Ulysses em 1914 e teve sua obra taxada de obscena. Dissuadido por amigos, foi a Paris, onde conheceu em um jantar Sylvia. Ela ficou tão encantada com aquele que considerava “o maior escritor do seu tempo” que decidiu bancar a publicação de Ulysses, levando a Shakespeare and Company quase à ruína. A obra foi lançada em 1922 e uma cópia dessa primeira edição faz parte do acervo da Biblioteca Britânica. A relação dos dois também rendeu um livro à Sylvia, que publicou em 1956 o livro Ulysses em Paris.

O que poucas pessoas sabem é que a charmosa livraria instalada hoje às margens do Sena não é o templo construído por Sylvia. Quando as tropas alemãs invadiram Paris, um oficial exigiu uma cópia de Finnegans Wake, o último romance de James Joyce. A corajosa livreira não vendeu e preferiu fechar as portas em 1941. Ela passou seis meses no campo de concentração de Vittel e se refugiou, depois, no Foyer des Etudiantes até o fim da guerra. Dizem que foi Hemingway quem deu a notícia à Sylvia. Embora a livraria não tenha sido reaberta, ela continuou a emprestar livros e a receber imigrantes até o fim dos seus dias, em 1962. Seus restos mortais, assim como parte do seu acervo e pertences pessoais, estão em Princeton, onde seu pai viveu e trabalhou.
Seu legado permanece, porém, em Paris. George Whitman é o proprietário da livraria localizada na 37 rue de la Bûcherie, com vista privilegiada para a Catedral de Notre Dame. Originalmente chamada de Le Mistral, a atual Shakespeare and Company é administrada pela filha do livreiro, que atende pelo nome de Sylvia Beach Whitman. Apesar das instalações modernas, com um charmoso café bem ao lado, a livraria mantém vivo, nos ambientes empoeirados com prateleiras estreitas e máquinas de escrever, o espírito daquela jovem americana que, vivendo de paixões, descobriu sem querer o segredo da imortalidade.
Deixe um comentário