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Foto ilustrativa
No dia do jogo da seleção brasileira de futebol em São Paulo, o trânsito só não ferveu mais que os ingressos da partida. Mesmo custando entre R$126 e R$650, não sobrou um. “Sabe o que eu acho, moça”, disse o taxista, sem desviar os olhos do tráfego. “Paixão não se discute. Quando a gente gosta, paga o preço que for. Não tem crise que segure”. Você já deve imaginar que esse senhor, com ralos cabelos brancos, advoga em causa própria. E não é pelo futebol, não. Com uma risada tímida e uma espiadinha pelo retrovisor, ele revela o verdadeiro objeto do seu afeto: uma horta.  

Bem, ele chama de horta, mas é pura modéstia. Ele mora, na verdade, em um pequeno sítio que resiste bravamente ao crescimento urbano à sua volta. O taxista, com quase 70 anos, trabalha na praça de segunda a sábado, durante 13 horas. Somente agora, e não há muito tempo, decidiu se dar ao luxo de encostar o carro aos domingos para se dedicar ao que ele chama de vício. “Quando eu me encanto, eu compro o que for: revista, muda… ferramenta, então, tenho um monte”.

Seu pedaço de terra tem alface, mamão, couve, acerola, mandioca e várias outras hortaliças. “Já plantei até estragão. Aposto que você nem sabe o que é isso, porque não é típico do Brasil”.

Seu pedaço de terra tem o cheiro da saudade de uma infância vivida na roça do sul de Minas. Tem, acima de tudo, gosto. “O povo fala que o produto é orgânico, mas tem esterco de animal. E se o bicho tem doença? Orgânico mesmo é o meu: utilizo só folhagens”. Outro segredo, de acordo com o taxista, é a água: só da chuva, sem cloro, de Deus.

É ele mesmo quem cuida de tudo – o filho e a esposa ajudam somente a molhar, se preciso. Dor nas costas? Nada! Ele garante que é só revezar as tarefas para não ficar muito tempo na mesma posição. “Tô te falando que é um vício, mas eu acho que é um vício bom”, pondera. “Até a cervejinha eu larguei. Agora só me interesso em adquirir conhecimento para plantar mais, por isso assisto o Globo Rural todos os domingos”.

Foi assim, conversando com um, vendo uma reportagem na TV, lendo revista, que o taxista aprendeu tudo que sabe. Conta sua história e descreve “sua horta” como se estivesse enfeitiçado, com brilho nos olhos e sorriso fácil. A paixão é tanta que já lhe rendeu fama na vizinhança. Nos fins de semana, há sempre alguém atrás de um pé de alface ou uma salsinha fresca para dar mais sabor ao almoço da família. Na semana passada, foram colhidos os 30 pés de alface que ele tinha.

E esse apetite alimenta um outro sonho desse paulistano anônimo. “Rodo São Paulo, sem parar, desde 1985. Um dia eu vou viver só da terra. Vou comprar uma chácara e viver do que eu planto. Um dia”.