É na Rua Paulo Pedro Heidenreich que a nobre senhora fincou raízes. Desde então, divide sua atenção entre a civilização e a natureza pulsante do sul da ilha onde vive. Seus dias são preenchidos pelo brado das gaivotas, pelo ronco dos motores dos automóveis e pelos sussurros dos pescadores. Com os fragmentos de histórias trazidos pelo vento indócil, ela se deleita e revive as memórias e a saudade eterna de quem lhe deu a vida.
A modesta rua que desemboca no mar é uma lacuna entre tantas glórias asfaltadas em Freguesia do Ribeirão. O segundo distrito mais antigo de Florianópolis é o maior produtor de ostras do país e ostenta com orgulho os vestígios da colonização açoriana. Entre casas bem conservadas e restaurantes de comida típica, uma amizade foi plantada há quase 60 anos e dela nasceu uma história bem visível e palpável que permanece oculta para dezenas de turistas, talvez até de moradores, que navegam pelas ruas estreitas daquele pedaço de mundo.
A senhora pouco fala do amigo que nem o Google é capaz de rastrear. É notório somente que entre os manezinhos daquele vilarejo de Santa Catarina viveu Cide. Foi ele quem plantou uma muda no limiar da terra e da areia. Como um pai zeloso, nutriu aquela criança com amor, silêncio e contos até o fim dos seus dias, em 18 de setembro de 2011. Na inevitável separação, levou consigo as confidências e os sonhos compartilhados ao longo de todos aqueles anos. Só a saudade ficou exposta.
Bem ela que corrói palavras e derrama, sem comiseração, alegria e dor. Parece até tirar onda do tempo, que lhe rouba os detalhes, mas nunca a experiência. Com a saudade, a extensão do que se viveu perde espaço para a impetuosidade da lembrança, que despreza o adeus pela simples incapacidade de apagar o que é uno.
Assim, o legado de um desconhecido chamado Cide sobrevive. Está talhado em um pedaço de madeira cravado no tronco da senhora, que honra seu amigo ao carregar eternamente consigo sua existência.
30/08/2018 at 10:34 am
Simplesmente linda… emocionante!
Adorei compartilhar esse presente!😍
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