Na casa dos Molina é Rodrigo quem faz o café da manhã, leva e busca o filho na escolinha, prepara o jantar, faz compras, lava roupa e arruma a casa. Nem sempre foi assim, mas essa rotina já lhe rendeu muitos aprendizados – inclusive, o de como driblar os inconformados que não se cansam de perguntar: “o que você fez com a sua carreira?”.

Nascido em uma clássica família paulistana, Rodrigo é filho de uma professora e de um executivo. Ela deixou de lecionar para administrar a casa e a educação dos dois filhos. Envolveu-os nos serviços domésticos ao torná-los uma brincadeira. “Lembro-me muito bem dela nos incentivando a fazer tarefas como ralar batata, varrer o quintal e separar roupas”. Como nos seriados e filmes antigos, o pai viajava muito a trabalho e a família toda aguardava ansiosamente seu retorno ao lar. “Ele nos inspirava a ter trabalhos que nos fizessem viajar. Sua ausência era compensada pela alegria de revê-lo”.

O filho mais velho prosperou: tornou-se advogado e pai de família. Trabalhou no departamento jurídico de várias multinacionais, dedicando-se “às causas impossíveis”, o que lhe rendeu reconhecimento no mercado. Em casa, a limpeza era feita por uma diarista e os cuidados do filho, divididos com a esposa. Fins de semana eram dedicados a parques, restaurantes e outros passeios tanto em casal, quanto com a família toda, incluindo os dois cachorros.

A rotina mudou quando a mulher de Rodrigo, também executiva de multinacional, recebeu a proposta para trabalhar em outro país. “Nós sabíamos que uma transferência internacional poderia ocorrer a qualquer momento. Como a vida em casal não se trata de uma competição e, sim, de um jogo de frescobol, em que o objetivo é manter a bola de um lado pra outro, decidi que, quando chegasse a hora, deveria ajudar para que tudo desse certo, inclusive com a pesquisa por novas possibilidades pra minha carreira. Depois de mais de 20 anos no mercado, 16 deles como advogado, vi que era a hora de tentar algo diferente”.

A mudança foi drástica: eles se mudaram para Hong Kong. Por mais aberto que estivesse, a adaptação só começou ao calçar “os novos sapatos”. “Tive que vivenciar a mudança para realmente entender todo o processo, isto é, acordar e cuidar da casa como mamãe fazia, levar filho para a escolinha e ouvir os recados das professoras, conversar e fofocar com as outras mães/pais/babás na porta do colégio e ter no porteiro do prédio o amigão que fala de futebol. Senti que todo o meu legado profissional não tem peso algum aqui, do outro lado do mundo. O que posso dizer é que não existe uma dica específica de como fazer isso. É enfrentar, aceitar e vivenciar”.

Neste processo, Rodrigo passou a valorizar ainda mais ao trabalho de casa, tão imperceptível e desvalorizado pela nossa sociedade. “É um teste mental incrível, que demanda controle, estrutura e inteligência emocional. A melhor parte é acertar o ponto do jantar – desde um prato simples a uma coisa mais sofisticada -, além de acompanhar diariamente a evolução do filho”.

O dono de casa tira proveito dessa ocupação ao enxergar as habilidades que está desenvolvendo e como elas influenciam positivamente tanto a sua vida pessoal quanto a profissional. “Quando abri meu escritório lá atrás, a ansiedade por resultados não me deixou perseverar e me fez voltar para o emprego tradicional. Sou agora muito mais resiliente com qualquer situação. Sem sombra de dúvidas, o que eu vivo hoje faz diferença”.

Em Hong Kong, cuidando exclusivamente da família, o advogado aprendeu a não tentar controlar mais a vida, lidando com as situações como elas realmente são, sem conformismo, mas com maturidade e lucidez. É esse Rodrigo que se apresenta hoje à família e ao mundo. Pronto para entregar o melhor de si a todo e qualquer capítulo da sua vida. Uma bela e sutil resposta aos inconformados.