“Está estranho” – olhou-me nos olhos e repetiu – “Tá tudo muito estranho”. Foi assim que Pereira quebrou o silêncio. Até o ano passado, ele tirava cerca de 300 reais todas as manhãs com o seu táxi. Só que “tudo” mudou: no dia anterior, rodou das 5 às 22h e acumulou somente 75 reais, sendo que 50 ficou no posto de gasolina.
Há 35 anos esse taxista cruza São Paulo de cabo a rabo. Sua pele morena não esconde as duas pintas, quase verrugas, uma de cada lado do nariz. O bigode escuro faz contraste com os cabelos grisalhos. Na boca, um canino bem pontudo do lado direito chama atenção. O resto dos dentes se foi, junto com a paciência. Conta os culpados pela sua situação nos dedos de uma mão e agradece aos céus por não ter mulher.
“Digo isso pela minha sobrinha: diz que come carne, mas arrota mesmo é osso”. Ela, que antes exibia as notas de 100 reais na carteira, hoje fila um prato de arroz na casa da mãe e depois pede carona ao tio. Arranjar mulher significa, para Pereira, arrumar dor de cabeça. “Como vou explicar que passo o dia trabalhando e, mesmo assim, não levo dinheiro para casa? Que não consigo nem arrumar os dentes?”.
Quem disse que é fácil ser solteiro ou casado hoje em dia? Em tempos de orçamento apertado, até o amor é regulado.
17/05/2019 at 11:05 am
Kkkkk.. bem assim mesmo! Amor não enche barriga.
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