
Os amigos estranharam a aparência de Heloísa, que desembarcara do México usando nada além de calça jeans, camiseta branca e tênis. Estava sem maquiagem, não exibia aquele sorriso malicioso, nem destilava piadas e ironias entre frases tiradas dos diários da sua artista favorita.
Heloísa era conhecida por seu fascínio por Frida Kahlo e gostava de colorir seu mundo como a pintora mexicana. Seus cabelos só não eram mais longos que os colares que lhe caíam sobre o colo e alongavam sua silhueta. Flores sempre adornavam seu rosto ou roupa e, mesmo no calor tropical, não dispensava o uso de botas pesadas.
Frida também era encontrada em cada cômodo da casa de Heloísa – nas almofadas sobre o sofá, na colcha sobre a cama, nos quadros que ilustravam as paredes e na louça que emprestava mais sabor à comida. Com a sua arte e o seu exemplo, a mexicana parecia silenciar a solidão, envenenar a alma com criatividade e irreverência, inspirar a superação dos desafios e, principalmente, espantar a hostilidade do mundo.
Ao raspar as economias para uma viagem à Cidade do México, Heloísa dedicou os cinco dias a conhecer cada detalhe da Casa Azul, onde Frida e Diego moraram. Sua presença não passou despercebida pelos funcionários da casa-museu, que acompanharam não só sua devoção mas também sua transformação
Heloísa deixou a Casa Azul da mesma forma que retornou à sua casa: muda. Já não era mais espalhafatosa, o que causou estranheza no gato Diego. Quando seus olhos se cruzaram, ele ronronou, ela chorou compulsivamente, antes de lançar dentro de um saco plástico preto tudo que ainda a conectava à cantora mexicana. Despiu a casa da mesma forma que se despiu dias antes. Colocou um basta nos adornos, nos acessórios, nas cores.
Só então Heloísa contou aos amigos o que acontecera no México. Quando Frida morreu, Diego trancou em um banheiro da casa todos os pertences da mulher. Deixou ordens expressas para que aquela porta só fosse aberta 15 anos após a sua morte, o que ocorreria 50 anos após o falecimento da pintora.
Ao circular pela Casa Azul, Heloísa percebeu que carregava dentro de si uma Frida e um Diego. Não precisava que ninguém a aprisionasse, pois ela mesma já o fazia. Decidiu, então, aos 56 anos, começar uma nova tela. Queria aprender a colorir o mundo – não mais como Frida, mas como Heloísa.
17/08/2021 at 3:29 pm
lindo.
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