Pedro sabia que era um cara de sorte, mas não imaginava quanto. Quando o isolamento social começou, ele montou um verdadeiro bunker em casa: congelados no freezer, cadeira gamer, tela extra e cerveja, cerveja e mais cerveja. Virou um maratonista: de trabalho; de séries e filmes na Netflix; de lives e cursos dos mais variados. É preciso colocar nessa lista as conferências, não só de trabalho, mas com diferentes grupos, de familiares e amigos, para comentar tudo o que acontecia. Uma atrás da outra. Sem parar.

Pedro era assim, conectado. Sono era para os fracos. Passou uma, duas, três semanas sem sentir falta de nada, nem de ninguém na sua ilha tecnológica, localizada no 12º andar de um edifício nos Jardins. Até o improvável acontecer: uma pane elétrica o desplugou do mundo.

As primeiras 24 horas foram de pura angústia, passivamente observando a queda sucessiva na bateria do celular e do notebook. Como a areia escorrendo pela ampulheta, ele também sentia sua energia se esvaziando. Qual seria a saída?

O primeiro eletricista não demorou a chegar, um sujeito estranho que sugeriu, após uma breve investigação e uma coçadinha na cabeça, a clássica gambiarra. Em emergências, quem resiste?

Pedro nem pensou duas vezes: pagou o que o cara queria e respirou fundo quando os bipes começaram a soar pela casa. Tudo reconectado e funcionando… ou quase. A cerveja não gelou direito, aquele ppt importantíssimo demorou a ser recuperado, a final eletrizante daquele seriado não carregava quando ocorreu um novo blecaute de novo.

O segundo eletricista portou-se como um CSI e fez um plano detalhado de renovação da fiação elétrica, antes de cravar a última espada naquele corpo e mente já dilacerados: em dois ou três dias o serviço estaria pronto. O bunker virou um quarto de pânico. “É detox digital que fala?”, brincou o eletricista.

Nos três dias forçados fora da Matrix, Pedro tomou sol na varanda; cozinhou; leu; subiu e desceu as escadas do prédio para se exercitar; voltou a desenhar. Diante de uma abundância de tempo e silêncio, fez o que nunca conseguiu: meditou e dormiu cedo. Em uma realidade paralela, ainda pouco crível, a dor nas costas e as olheiras sumiram. Descobriu, ainda, uma natureza viva e colorida, bem diante dos seus olhos, além de vizinhos, que agora não eram somente rostos desconhecidos, mas pessoas com nome e sobrenome, medos e desejos, ainda que escondidos sob máscaras.

Em breves dias de desordem, Pedro foi capaz de realizar o contrário. No mundo analógico, encontrou aquilo que no fundo sempre perseguiu: o pertencimento. A si e a tudo.