Arquivo Pessoal

“Covarde!”

“Estranho!”

Os humanos estavam cheios de adjetivos maldosos para o girassol que permanecia estacionado à beira de uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Nada parecia afetá-lo: nem os xingamentos, nem as buzinadas, nem as gargalhadas.

O sinal abria e fechava, o tempo abria e fechava, e ele continuava lá, parado, resiliente. Só se mexia quando Farofa, aquele vira-lata fanfarrão, lhe fazia cócegas com seus bigodes duros, antes de banhá-lo com aquela água quentinha de odor forte. Ou quando a abelhinha B vinha lhe cutucar e lhe presentar com uma sinfonia, feita com suas asinhas ágeis. Ou, ainda, quando a menina com asas de borboleta arrancava-lhe uma pétala só para provar para a mãe que o cabelo dela era da mesma cor.

Nessas ocasiões, o Girassol perdia a pose de guarda real e se desmanchava pelos amigos, a verdadeira razão por não deixar seu posto, de onde via diariamente o sol nascer e morrer, entre as copas das árvores e os arranha-céus. Medo ele tinha, mas não era de atravessar a rua.

De uma semente caída em um pequeno pedaço de terra, em meio a uma placa de cimento sem-graça, o girassol brotou, contrariando qualquer plano ou expectativa. Não podia ser por acaso.

É por isso que, apesar dos insultos e desordens dos quais era vítima e testemunha, o medo que ele sentia era de deixar de contemplar e manifestar a beleza da vida.

Permanecer à margem daquela avenida era mais do que um ato de rebeldia ou um gesto de coragem: era o seu propósito de vida.

Esse post foi originalmente publicado no blog Mais Um Café?