Há cerca de um mês resolvi abrir baús — não somente aqueles que escondemos no fundo do armário, mas também os que carregamos na alma. Em um deles, encontrei um “caderno de recordação”, algo que, imagino, as meninas de hoje não façam.
Meu primeiro “caderno de recordação” data de 1989, em uma época sem internet, com cada trimestre valendo por um ano inteiro. Cada página deste diário me fez revisitar lugares, encontrar pessoas, redescobrir histórias, sentir muitas emoções — inclusive o entusiasmo de entregar esse tesouro em outras mãos, a ansiedade advinda da espera, a apreensão por não saber o que a pessoa escreveria, o êxtase com a descoberta.
Mais de três décadas depois, percorri este caminho encharcada de saudade e surpresa. Reencontrei amigas e professoras, como Patrícia, que encontrava às terças e quintas na escola de Inglês, localizada no coração da cidade. Lembro-me do seu cabelo liso, do anel grande, das roupas modernas, da assinatura no boletim, das músicas que nos ensinava, da turma que eu amava, da tristeza quando ela foi embora.
Teacher Patrícia escolheu uma poesia do galês W. H. Davies e registrou: “Talvez hoje você não possa entender este verso, mas um dia, quando estiver mais amadurecida, com certeza entenderá o que está escrito e o compreenderá.”
Lazer
O que é esta vida se, cheio de cuidados,
Não temos tempo para repousar e contemplar.
Não há tempo para repousar sob os galhos
E olhar ovelhas e vacas.
Não há tempo para ver, quando passamos por bosques,
Quando esquilos escondem suas nozes na grama.
Não há tempo para ver, em plena luz do dia,
riachos cheios de estrelas, como o céu à noite.
(…)
Que pobre vida é esta, cheia de cuidados,
Se não temos tempo para parar e contemplar.
Now I got it, teacher. Hoje, Professora Patrícia, eu entendo.
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