No supermercado, enquanto cheirava as mangas, Ana encontrou aquele que parecia ler sua alma nos livros e posts que escrevia e publicava.

Aproximou-se do poeta, perdido entre peras e melões. Ela nem esperou que ele se decidisse. Disparou a falar com o dedo à altura do seu discreto nariz:

“Você declama poesia com a mesma naturalidade com que eu leio a previsão do tempo nos jornais. É de outro mundo, é injusto.”

O poeta mal teve tempo de reagir, porque ela prosseguiu:

“Tem razão de me olhar assim. No fundo, a alien sou eu, alienada de um amor pelo qual passo noites em claro, sentindo sem sentir, tão perto e tão distante.”

Ele devolveu as frutas e, sem saber se pedia desculpas ou lhe fazia uns versos de consolo, partiu.

O silêncio tomou conta da frutaria. Ana não se mexeu. Sentia-se humilhada. Uma voz grave a tirou do estupor.

“Quero ouvir uma canção de amor que fale da minha situação, de quem deixou a segurança do seu mundo por amor “, soprou Renato Russo pelas ondas do rádio.

Ana alisou a blusa, arrumou o cabelo, enxugou com delicadeza a lágrima solitária, devolveu a manga ao cesto e partiu com a cabeça erguida. Tinha outros mundos a explorar.