Todos os dias ao acordar Ana corria para a internet. Não se importava com as notícias, não lia o horóscopo, consumia somente poesia. De um único autor.

Naquela manhã, ele tinha postado uma carta de amor. Cada palavra parecia datilografado no coração de Ana:

“Sinto sua falta no fim do dia quando o mundo se apagava em respeito à vida que se acendia entre aquelas quatro paredes. Sinto falta de rir com você, de dançar com você no chão frio da cozinha, de dividir histórias de quem éramos, de quem somos e, acima de tudo, de quem sonhávamos ser. Juntos e separados. Porque nunca deixei de me pertencer, só escolhi criar espaço e abrigar você dentro de mim. Onde nossos sonhos foram parar?

Não sei. E a má notícia é que não existe reintegração de posse do pedaço que tomou de mim. És parte de mim. E sempre serás.”

Ana nem percebeu que represou sua respiração enquanto lia. E o fez, pelo menos, três vezes. Não tinha mais jeito. Ela precisava admitir. Um inquilino (des)conhecido passou a morar dentro dela. Indefinidamente.

(Continua…)