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Até hoje os visitantes são recebidos por Annette. Só que muitos só conhecem parte da sua história ou aquele rosto grafado por computação gráfica e estampado em embalagens de biscoitos amanteigados e pirulitos de caramelo. O design moderno esconde a criatividade e o legado deixado por uma jovem morena de pele clara e olhos azuis.

Ela tinha somente 21 anos quando pisou no Monte de Saint-Michel ou São Miguel. O lugar já era sombrio e fascinante, perdido no meio do Rio Couesnon, na divisa entre a Normandia e a Bretanha. De prisão a monastério, o local sempre conservou uma pequena comunidade, de não mais que 28 famílias. 

Em 1872, o Monte de Saint-Michel passava por mais uma renovação e um famoso arquiteto fora contratado para restaurar a abadia. Junto com a sua família, Édouard Corroyer trouxe uma jovem criada, que logo se encantou por Victor Poulard, o belo filho do padeiro.

Anos depois, já casados, eles abriram uma estalagem para receber visitantes e peregrinos, bem na entrada do monte. Com paredes de rochas medievais, o ambiente era simples e acolhedor. Ganhou reputação pelas receitas preparadas por Annette – dizem que foram mais de 700.  A mais famosa delas foi criada durante uma temporada de fortes tempestades, quando as travessias até o continente eram interrompidas e os alimentos, mais escassos.

Um certo dia, Annette viu-se sem nada mais para servir aos hóspedes além de ovos. Criou, então, no seu fogão a lenha, uma omelete singular, aerada e leve como um souflé. Os peregrinos saborearam o prato sem nem imaginar a aflição que tomara conta da cozinha horas antes. Os elogios logo se espalharam e Annette passou a ser conhecida como  La Mère Poulard.

Do século XIX para cá, muita coisa mudou. Dezenas de carros e ônibus chegam diariamente ao Monte de Saint-Michel, considerado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.  São 4 milhões de visitantes por ano e dificilmente um deles sai de lá sem levar consigo uma iguaria de La Mère Poulard. Sim, a criada virou marca internacional, presente não só na França, mas também na Ásia, América do Norte e em outros países da Europa.

Poucos sabem que Annette comandou aquela cozinha por mais de 50 anos. Aposentou-se em 1920 e escolheu uma casinha, no topo do Monte, para viver tranquilamente ao lado do seu Victor. Faleceu onze anos depois, em 1931, mas deixou sua marca na história daquela comunidade e da prestigiada cozinha francesa.