Raquel tem uma crença: ela acredita que cada livro tem a hora certa para ser lido. Por isso, essa compradora compulsiva nem se incomoda com a pilha que se forma. “Às vezes, você não espera nada de um livro, mas ele te mostra coisas incríveis ou te modifica de alguma forma para sempre”. Foi assim com “A Colombo na Vida do Rio”.
Ela ganhou esse livro do seu pai, Nobuo. Nascido em Tóquio, ele desembarcou no Brasil aos 10 anos, quando o pai dele foi transferido para o Rio. Cresceu, assim, nas areias de Copacabana, tornou-se Botafogo de coração e se formou em Engenharia Naval. Era frequentador assíduo da Rua do Ouvidor e tinha a livraria Folha Seca como um dos seus destinos favoritos. “O dono já conhecia o meu pai. Achava graça naquele japonesinho sempre curioso e pesquisando títulos novos”. Embora tenha conhecido os quatro cantos do mundo, era no Rio o lugar de Nobuo. Incansável, colecionava no coração, na memória e em livros as histórias sobre a cidade. Foi assim que um deles foi parar nas mãos de Raquel.
Quando a obra foi resgatada da famosa pilha, o Sr. Nobuo estava hospitalizado. Diagnosticado com um violento câncer na bexiga, ele pouco se comunicava. Raquel morava em São Paulo e passava todos os fins de semana no Rio com ele. O livro tornou-se, assim, seu companheiro inseparável. “Era uma forma de me manter conectada com meu pai”. Era o livro certo, na hora certa.
A história da centenária confeitaria no Centro do Rio envolveu-a completamente. “Fiquei encantada com as historinhas que li. Comecei a destacar as que achava interessante e, a partir disso, surgiu a ideia de esboçar um projeto de livro para resgatar a memória do Rio Antigo”. Com o rascunho em mãos, ela ficou ansiosa para contar para o pai, mas ele já não se comunicava mais. “Foi certamente o momento mais triste da minha vida não poder compartilhar com a pessoa que mais me incentivou a escrever”.
A filha de Nobuo não se apegou à dor. “Senti uma força absurda e a certeza de que eu conseguiria publicar o livro. Passei a acreditar que aquele sofrimento não tinha sido em vão; que esse amor pela cidade e pela memória dela não seria destruído nunca; e que precisava da nossa contribuição (minha e do meu pai) pra ser preservado”.
No início deste ano, a RARA Cultural lançou o livro “A Cara do Rio”, assinado por Raquel e Ricardo Amaral. Registrada nas primeiras páginas, a homenagem:
“Este livro não seria possível sem o amor incondicional ao Rio e o fascínio pela sua história que meu pai me ensinou. Devo também agradecer ao precioso acervo de títulos sobre a cidade que ele me deixou, elemento essencial para o ponto de partida. Jamais haverá um japonês tão carioca e apaixonado como ele, Nobuo Oguri, que faleceu em 2014, mas cuja memória e legado são eternos. Obrigada, pai. E mais, como meu velho Oguri conhecia Ricardo e eles tinham uma relação de extrema simpatia, essa relação foi inspiradora para que eu me envolvesse neste delicioso trabalho”.
Assim, a paixão de Nobuo Oguri pelo Rio é celebrada por Raquel em cada página do livro, em cada livraria da cidade, em cada rua do Centro Antigo. Para sempre.
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