Ninguém sabia que aquele seria o último encontro. Ray Charles e Elton John tomaram chá, falaram de amenidades e gravaram dois takes de Sorry Seems to be the Hardest Word para o álbum Genius Loves Company.
Genius era o apelido de Ray, que emplacou um hit atrás do outro ao longo de 58 anos de carreira. Nascido em Albany (Georgia), ele sabia tocar trompete, clarineta, saxofone e órgão, mas sua marca registrada era o piano. Aprendeu aos cinco anos, antes mesmo de perder a visão por glaucoma. “Genius Loves Company” foi seu último álbum. Sua saúde já estava debilitada e suas emoções, à flor da pele. Mesmo premiado e festejado, ele mal acreditava que pessoas como Norah Jones, Natalie Cole, James Taylor e Johnny Mathis quisessem cantar com ele. Entregou-se. Saiu em uma cadeira de rodas da última gravação.
Elton estava entre os escolhidos. Seu nome de batismo é Reginald Kenneth Dwight, sendo que seu nome artístico foi adotado em 1967. O convite de Ray chegou após ouví-lo cantar o hit do álbum Blue Moves em um concerto. Phil Ramone, que produziu a faixa, conta no livro Gravando que Elton estava emocionado e queria que seu ídolo soubesse e sentisse todo seu amor e respeito.
O encontro aconteceu no dia 03 de março de 2004, na Record Plant. Eles ficaram frente a frente, separados por pouco mais de um metro, unidos na melancolia. Dois takes foram suficientes para obter a faixa mais emocionante do álbum, suficiente também para levar toda a equipe às lágrimas. Ray estava, ao final, exausto. “Levaram-no de cadeira de rodas corredor abaixo, cruzaram a porta e foram em direção à luz do sol”.
Coube à Elton impedir que o perfeccionismo e a tecnologia suprimissem o que ambos sentiam. Não se fabrica um suspiro como aquele; sente-se muito, revela-se mais ainda. “Quando ouviu a mixagem seguinte, vi seus olhos se encherem de lágrimas. Elton se virou para John Burk e para mim e disse em voz baixa: Este é um dos momentos mais significativos da minha carreira”, relembrou Ramone.
A gravação com Elton foi a última de Ray. Ninguém poderia imaginar que ele faleceria três meses depois, em 10 de junho de 2004, antes do lançamento do álbum. De acordo com Ramone, Elton levou consigo um CD com a sessão inteira, contendo desde as conversas em estúdio com seu ídolo àquela que seria a última canção de Ray. É triste, tão triste. É uma triste, triste situação.
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