Foi uma conversa de um quarteirão entre desconhecidas. Poucos minutos de Perguntas & Respostas, mais de um lado que do outro, o suficiente, porém, para definir o caráter, também mais de um lado que do outro.
Ela é mignon e tem um rosto delicado, emoldurado por cabelos encaracolados presos em um coque bem no alto da cabeça. Seus olhos azuis se destacam entre sardas, provavelmente provocadas pelo sol que toma todos os dias. Trocou uma vida de tailleur, terninho e salto alto por uma de camiseta, bermuda e tênis. Preteriu o requinte e conforto de um escritório à confusão das ruas e a paz dos parques paulistanos.
Ao final dos cinco anos da faculdade de Direito, ela já sabia que aquele não seria o seu caminho. A escolha, diz, foi fácil. Ela não se apegou ao salário que poderia ter em uma carreira, pois nada compensa mais que o reconhecimento do cliente e o propósito pessoal que encontra na outra. Talvez a única semelhança da vida que quase levou seja a rotina atarefada. Seus passos são firmes, certeiros e apressados.
Há três anos ela se tornou adestradora e incrementa sua renda como dog walker. No momento em que nos esbarramos, ela passeava com dois vira-latas, um Weimaraner e um border collie, que gosta de ser cumprimentado apropriadamente, com afagos, antes de qualquer passeio ou atividade. Diz que não existe uma raça mais inteligente que a outra; há diferença no aprendizado, típico de personalidades diferentes. Como humanos, qualquer cão pode ser educado, sendo seu papel facilitar a comunicação e a convivência entre ele e o dono. Afinal, eles também expressam o que querem e o que sentem – só que do seu jeito e no seu próprio tempo. Reconhecem, com mais facilidade que nós que nos denominamos seres comunicadores e evoluídos, quem tem bom coração. Priorizam também esses relacionamentos.
Dona de uma pastora alemã, ela tem paixão pelos animais de médio e grande porte. Nunca pensou em ser veterinária, mas sente atração por Biologia. Um quarteirão foi pouco para desvendar mais detalhes da sua história – afinal, ela estava em pleno horário de trabalho, em uma ensolarada tarde de quarta-feira. O que importa se sua decisão foi ou não motivada por uma mordida de humano?
Um quarteirão foi suficiente para admirar uma pessoa pela coragem das suas escolhas. Ela se diz, e visivelmente é, mais feliz ao lado da sua matilha. É como se na troca do salto pelo tênis, ela tivesse descoberto que a felicidade é bem mais simples e acessível do que parece. Nas palavras de Charles M. Schulz, “Felicidade é um cãozinho amoroso”.
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