Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a Ciência e a racionalidade humana podem explicar. Um deles paira em um quadro envidraçado, que protege anotações escritas à mão em diferentes tipos de papel, como um convite de aniversário de criança ou aquele papel pardo que escolta o pão quentinho até em casa. Reza a lenda que reis e plebeus já sucumbiram ao seu feitiço. Os manuscritos transformam-se ao colocar um dos headphones disponíveis no local. Como em um filme de Harry Potter, as letras ganham vida e dançam sobre o papel. Você reconhece a melodia, sabe de cor os versos, mas silencia e sente como se estivesse escutando cada nota pela primeira vez.
Essa viagem acontece ao visitar a seção de Tesouros da Biblioteca Britânica. Os manuscritos são músicas dos Beatles, como Yesterday, uma das canções mais gravadas do mundo. A experiência provocada ali naquela sala, sem privacidade alguma, aguça dois sentidos do ser humano e provoca a emoção de um show intimista e despretensioso, como se o seu Beatle favorito estivesse apresentando a você uma composição que acabou de rabiscar em um pedaço de papel.
A exposição também instiga a curiosidade. Conta que Paul acordou um dia com a melodia de Yesterday na cabeça, mas a deixou de lado por um tempo. “Preocupado com a possibilidade de ser uma melodia de outra pessoa guardada no seu subconsciente, ele a tocou por várias semanas para amigos, como a cantora Alma Cogan, perguntando se a reconheciam”, completa Hunter Davies em “As letras dos Beatles”. Foi nessa fase de testes, que a música ganhou provisoriamente o nome de Ovos Mexidos (Scrumbled Eggs).
Uma vez convencido da sua autoria, Paul escreveu a letra, dizem, com a mesma facilidade com que construiu a melodia. Sabe-se que Jane Asber, a namorada do Beatle na época, não serviu como musa para a canção. De acordo com Davies, o cantor admitiu que talvez a tenha escrito com a sua mãe, que morreu de câncer durante a sua adolescência, em mente. No entanto, ele “não tinha essa consciência ao escrever a letra”.
A música foi unanimidade entre os companheiros de banda, embora John achasse que ela não iria tão longe. Tornou-se não só faixa do LP Help!, lançado em 1965, mas o primeiro solo de um integrante.
O autor de “As Letras dos Beatles” jura que o manuscrito exposto na Biblioteca Britânica não é o original, mas uma versão passada a limpo por Paul a pedido do próprio escritor. Esse detalhe, no fundo, pouco importa.
A mágica que acontece naquela sala, com um pedaço de papel rabiscado e algumas notas tiradas no violão, nos lembra do poder de criação do ser humano. Nem a Rainha Elizabeth II foi capaz de resistir à simples e poderosa experiência da Biblioteca Britânica. Durante visita ao local, ela passou mais tempo ali, estudando Yesterday, que contemplando a Carta Magna. Afinal, se somos todos feitos de poeira de estrela, quem pode culpá-la por se mostrar tão mortal?
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