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* Por Juliana da Mota Camargo
Olhando pela janela da vida, em alguns momentos, enxergamos por meio de um vidro embaçado e com névoa a chuva molhando a todos de forma alegre, como se só nós tivéssemos sido privados de todas as possibilidades que a vida carrega. Como se todos conseguissem colher estes momentos de alegria, mas nós não. Como se a vida tivesse escolhido para nós o vazio, ou como se a nós não coubessem escolhas. Para o resto do mundo tudo, para nós nada além de isolamento e culpa.
Dói muito quando há a perda de esperança, um sentimento de desmerecimento daquela felicidade que tanto almejamos, seja em um aspecto da vida ou em vários. A depressão, pelo menos a que eu vivenciei, tem muito a ver com isso.
O grande problema para mim não era não ter o que eu queria naquele momento, era a dúvida de se um dia eu alcançaria pelo menos parte do meu sonho bom. Notei claramente em muitas das minhas crises de ansiedade, que a ansiedade vinha da busca por uma resposta que naquele momento eu não poderia ter.
Acordada ou em sonhos eu queria incessantemente saber: hoje não, mas será que um dia? Será que em algum momento desse ‘eterno para sempre’ eu encontro algo bom para mim também? Será que conseguirei me encaixar na minha felicidade? E de insatisfação em insatisfação, de vazio em vazio, eu ia postergando dia após dia…
Na tentativa de aliviar o coração, foram várias as circunstâncias em que carregava comigo a dilacerante “certeza” de que não. Eu jamais seria feliz de novo e deveria me conformar. E em alguns momentos o meu ódio pela vida – por não poder ter o que todo mundo parecia ter – aliviava de pensar que eu nunca mais sofreria, pois eu jamais acreditaria de novo. Já estava tão massacrada por traumas, abandonos e traições, que a minha esperança de evitar a dor, era não deixar viver nem uma gota de esperança em mim.
A “certeza” me matava por dentro, mas também me tornava poderosa, pois me ajudava com a ilusão de que eu tinha pelo menos o poder de não acreditar, como se eu tivesse meios para ter certeza de algo. Depois, alimentada por tantas referências de mentiras, falsidades, traições daqueles que pareciam viver a felicidade, fui me convencendo que isso nem existia. O homem apaixonado do Facebook digitava poesias com uma mão, e com a outra marcava um encontro no motel com a amante do trabalho. E era tamanha a frequência, que isso me sufocava na esperança mas mantinha a minha certeza de que se não existe, não posso me culpar por não ter o que tanto desejava.
A amargura toma conta, a falta de vontade idem. Esse vazio se espalha por tudo, e se a vida é tão cruel quanto mostra a janela embaçada, que isola e aprisiona, que carrega toda a incompreensão e solidão dentro de si, por que se dar ao trabalho de tentar?
É nesse ponto que o caminho começa a ficar cada vez mais tortuoso, escuro, num poço tão fundo que a ajuda externa que antes era extremamente desejável se torna necessária. Precisamos de paz e muitas vezes da força da confiança vinda do outro. Nesse instante não somos mais capazes de produzir nossa própria dose de esperança.
E é esmagador que a pessoa sem forças faça tentativas de socialização e pedidos de socorro (explícitos e camuflados) e receba em retorno cobranças e regras: “eleve seu pensamento”, “seja mais otimista” ou “você é muito pessimista”, “nossa mas você tem tudo, por que fica assim?”, “por que você não tenta se levantar? deixa isso no passado”, “você é muito apegado (a), tem muito a evoluir”, “tanta gente vivendo algo pior e você nessa”. Essas e outras respostas são formas de matar lentamente por dentro quem se encontra vulnerável. Ter a chance de ajudar com um carinho ou responder com algo que alivie e não fazê-lo é egoísta, superficial e por vezes cruel.
A completa ausência de empatia vem justamente daquele que não está doente, que poderia estender a mão e compartilhar então o seu otimismo. Será que esta pessoa que fala deste tal otimismo o carrega em si, a ponto de ter e compartilhar? Aquele que tem de verdade, não possui medo de perder seu otimismo em contato com a dor do outro, porque é tão firme em si mesmo que confia na sua estabilidade, e consegue contagiar o outro em confiança. Não há vela que se apague por acender outra, né?
Sendo sincera nem sei bem porque estou partilhando tudo isso agora. Não acho que seja pelo crescimento do número de pessoas depressivas e até de suicídios. Também não creio que seja um texto motivador ou capaz de afinar a empatia de quem não tem ideia do que é uma depressão. Acho que este texto é como a vida, apenas é por ser o que é.
Para aqueles que sentiram tudo isso que já senti (inclusive o sentimento de buscar se equilibrar numa corda bamba para conciliar obrigações diárias e toda a dor, e o próprio medo de repetir as quedas e as dores) posso apenas dizer que é possível mudar todo esse sentimento. E a chave para mim foi passar a confiar mais em mim, esvaziando-me de opiniões externas e valorizando a minha própria opinião. Foi entender que apesar de tudo, eu criei elementos para me sustentar e me apoiar. Não é uma regra. Acho que não é o que servirá para todos, porque somos todos iguais porém diferentes e únicos. Meu caminho é só meu. Mas mergulhando nas suas próprias profundezas com ajuda de especialistas, pode ser que você também encontre um caminho só seu e que seja um lugar mais florido.