
Os primeiros pingos de chuva começavam a cair quando adentrei no corredor escuro em busca de uma história de fim trágico. Afinal, o protagonista morreu jovem, aos 37 anos, vítima de uma febre tão abrupta quanto vigorosa.
Seu nome era Rafael, filho de um poeta e pintor sem fama, mas muito culto e bem relacionado. Foi criado praticamente pelo pai, já que a mãe morreu quando tinha apenas oito anos. Muito já foi escrito sobre seus feitos na pintura, na gravura, no desenho, na tapeçaria, na arquitetura e na arqueologia. A sua personalidade é tão comovente e interessante quanto.
Estudou com Leonardo da Vinci e Michelangelo Buonarroti, sem se deixar reduzir ou entorpecer pela competição que já assolava a humanidade no século XV. Rafael, que não grafava suas obras, o que fez com que algumas delas fossem reconhecidas como suas somente séculos mais tardes, colocava sempre algo de si em cada um dos seus projetos.
Era conhecido pela sua extroversão, estando sempre rodeado de pessoas, mesmo durante seu processo de criação. Era insistente, testando para a mesma composição diferentes posições e movimentos, em busca do momento perfeito a ser eternizado. Tornou-se a máxima expressão da Sprezzatura, palavra italiana criada pelo diplomata e escritor Baldassare Castiglione para salientar a leveza da “verdadeira arte que não parece ser arte”.
Rafael destacou-se pela variedade, elegância e harmonia de suas obras, como também por “sua capacidade de não deixar transparecer na vida ou em suas imagens o tormento e as angústias da criação”, explica a curadora da exposição gratuita, que coloca a tecnologia como uma coadjuvante não menos importante. É ela quem permite ao visitante viajar e admirar mais de perto e com extrema vivacidade a Stanza della Segnatura e outras obras do artista.
Resistir ao obstinado estica-e-puxa da vida é uma tarefa e tanto; fazê-lo com garbo e pluralidade, com recursos finitos, é mesmo coisa de mestre. No entanto, o que mais gostei no italiano foi sua capacidade de enganar o tempo ao apostar em uma vida centrada em características humanas intrínsecas e positivas. Não à toa foi enterrado com toda pompa e circunstância no Panteão, onde consta uma inscrição em latim que brinca que a própria natureza temeu ser superada e esquecida pela vida e morte de Rafael.
É como se ali, naquele espaço limitado, entre luz e sombras, entre a tecnologia de ponta e manuscritos que sobrevivem a séculos, esse mundo em contínua transição entrasse em uma nova velha órbita, onde o homem não é substituído pela máquina, mas recordado de toda versatilidade, graciosidade, potencial e beleza de suas próprias habilidades. Afinal, apesar das nuvens carregadas lá de fora, é Primavera.
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