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Lillian, o marido e os filhos (Arquivo Pessoal)

Lillian não é daquelas que romantiza a maternidade ou que goumertiza a realidade. Ela é dessas que têm coragem de desabafar no mundo perfeito do Facebook sobre os leões internos que enfrenta, sobre a luta para equilibrar tantos papéis sociais, sobre a saudade eventual da solitude. Ela é dessas ri com os olhos, dessas que se expressa com as mãos, dessas que cria uma trilha sonora para cada momento, dessas que transforma grandiosas as pequenezas da vida.

Lillian não tem vergonha de sentir e não tem medo de se reinventar. Após três anos cuidando em tempo integral dos dois filhos, decidiu voltar ao mercado de trabalho para entender as “transformações da mulher” – não só da mãe de Benício e Miguel. Entrou em um período “mágico”, segundo ela. Arrumou um emprego onde podia fazer o que mais gosta: aprender e escrever. Seu marido era seu colega de trabalho, o que fez com que a parceria entre os dois ficasse ainda mais afinada.

Só que a vida tem dessas: quando tudo parece perfeito, ela descarrilha para nos testar. Assim. Do nada. De repente. A rotina da família mudou completamente quando o marido seguiu para outra oportunidade profissional e os filhos ingressaram em uma nova escola. “Eu não conseguia mais me dedicar inteiramente ao trabalho porque vivia em exaustão. Comecei a comer doces compulsivamente e engordei muito. Vi que os meninos estavam sentindo a minha energia densa. O desequilíbrio era evidente. Mas meus filhos só serão crianças uma vez na vida… e foi por isso que decidi desacelerar e revisitar os meus propósitos e o que fazia sentido para mim”.

Colocar ordem no caos parece uma missão quase impossível, mas Lillian estava determinada. Quando o cotidiano fica meio nublado, ela se faz uma pergunta:

“O que me incomoda tanto a ponto de me transformar e me fazer criar um novo cenário?”.

Esse é o ponto de partida para iniciar, com honestidade e compaixão, uma reforma. “Adoro uma frase de Nietzche que diz: é preciso ter o caos dentro de si para gerar uma estrela dançante. E eu realmente acredito que, de tempos em tempos, o caos nos ajuda a dar uma guinada em tudo que não vai bem. É a lei da impermanência em ação”.

Junto com o marido, Lillian estruturou e lançou um novo negócio. Só deles. Com a cara deles. “Sair do meu emprego impactou a renda de casa, mas agora eu cuido mais do meu bem-estar para ficar bem para minha família. A gente sempre abre mão de alguma coisa”.

Como empreender não é fácil, ela lança mão de alguns remedinhos caseiros para não se perder nos inevitáveis desequilíbrios da vida. Para começar, a escrita é sua terapia. Autora do Blog O Bom do Amor, ela se divide entre o teclado e o caderninho que carrega na bolsa para anotar tudo que faz seu coração vibrar. “Tem dias que eu sento em frente ao computador e as palavras começam a sair como uma melodia… Vou prestando atenção nas letras do teclado formando as palavras e aquilo se transforma quase em um processo meditativo”.

Lillian, que sempre foi curiosa e atenta, também se especializou em captar momentos extraordinários do cotidiano. E é esse hábito, também um talento, que dá mais tempero ao seu dia-a-dia. “Venho experienciando novas coisas, resgatando o que de fato me é importante: um café à tarde com minha mãe, um almoço mais demorado com uma amiga, o prazer de caminhar como exercício, a leitura de livros legais, a observação do crescimento dos meninos, as conversas que eu tenho com o Lu… Para mim, tudo pode virar um registro positivo… escrever pra mim é cura, é onde eu me desafogo”.

Além disso, ela adora deixar “bilhetes de leveza” pela casa: flores, quadrinhos motivacionais, fotografias de momentos felizes. “A maneira de encontrar leveza é muito pessoal. Escrever, fotografar e ter diálogos profundos sobre a vida com meus grandes amigos são coisas que me trazem leveza e que fazem meu coração vibrar muito. Praticar a gratidão também, especialmente em dias difíceis; isso me força a enxergar que nenhum dia é como o outro”.

Entre  loopings e mudanças, Lillian não deixa de reparar no outro. “Eu percebo o quanto as pessoas estão carentes disso, de diálogos profundos, de ter alguém em meio do caos que tenha paciência e disposição para dar tempo e atenção. Gosto quando um abraço forte e despretensioso faz a diferença na vida de uma pessoa. Ou quando consigo praticar a escuta ativa e olhar nos olhos”.

Em Cartas a um jovem poeta, o poeta Rainer Maria Rilke aconselhou: “Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair suas riquezas”. Lillian parece comungar dessa visão e, por isso, se impõe o exercício de viver o presente para refinar a própria vida e desfrutar da beleza do caos. “São estes momentos de conexão que fazem tudo valer a pena, é o que realmente importa na minha opinião. Tem uma frase que infelizmente não tenho certeza da autoria que diz: as pessoas vão esquecer o que você disse, as pessoas vão esquecer o que você fez, mas elas nunca esquecerão como você as fez sentir. É isso”.