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Edu e Pedro (Arquivo Pessoal)

Edu jura que não é otimista, embora esteja sempre com um sorriso largo. Esse advogado e músico amador descreve-se menor do que é: como uma pessoa de origem e hábitos simples. Nem menciona que possui coragem de sobra para compartilhar suas vulnerabilidades como se dedilhasse uma canção qualquer em seu violão. Uma das histórias mais marcantes de sua vida começou em uma escola de cabeleireiros na zona norte de São Paulo, em 2002. Ele era o administrador do estabelecimento e ela, a aluna, oito anos mais jovem, em busca de recolocação profissional e independência financeira. “Ambos vínhamos de rompimentos bastante difíceis das relações anteriores”.

Os muros foram derrubados pouco a pouco e, três anos depois, Edu e Sandra se casaram. Pedro nasceu em 2012, dois anos antes de um episódio que reafirmaria o laço entre eles e mudaria para sempre o curso dessa história. “Durante o autoexame no banho, Sandra localizou um pequeno caroço na mama. Como ela tinha um histórico familiar bastante desfavorável, estávamos sempre atentos e jamais nos permitimos negar a possibilidade. No dia seguinte, já fomos ao médico”.

Infelizmente a biópsia revelou o pior dos cenários: um câncer bastante agressivo. Até então, os cuidados com o filho eram divididos. “Pedro desenvolveu, logo nos primeiros dias de vida, alergia à proteína do leite de vaca (APLV). O tratamento de exclusão é bastante difícil, e isso exigiu, desde sempre, muita participação e colaboração minha. Sempre trabalhamos fora e colaborar sempre foi necessário – e, no meu caso, prazeroso.”

Durante os 15 meses de tratamento de Sandra, o trio se reuniu para rezar pela cura. Rogavam que a dor cessasse. Era impossível esconder de Pedro, uma criança muito atenta, o declínio físico da mãe. Quando Sandra partiu, ele tinha apenas três anos. Edu teve dificuldade para aceitar o falecimento precoce dela. “Ainda que a morte seja uma certeza, é muito difícil nos depararmos com ela quando nos visita assim, fora de hora“. Só que ele foi capaz de esconder o seu inconformismo a e sua dor na hora de explicar ao filho o que tinha acontecido. “Achei que seria mais honesto que ele soubesse a verdade. Não joguei simplesmente a morte em seu colo para que ele se ajustasse e tentasse compreendê-la. Minha ideia foi passar a ele uma mensagem positiva sobre o ocorrido. Usei como ferramenta o próprio sofrimento da mãe, que ele presenciou tão de perto. Vi a oportunidade de tratar a partida como o atendimento aos nossos pedidos”.

 Essa conversa ocorreu logo após o funeral, assim que pai e filho ficaram sozinhos. “Eu o convidei para tomar um lanche comigo, porque aquele era um dia muito especial, um dia de muita alegria para nós. Afinal, era o dia em que o sofrimento e a dor finalmente tinham deixado Sandra em paz. Como se tratava de uma criança de três anos, eu disse a ele que Deus havia decidido, finalmente, atender nossos pedidos. Como os médicos não estavam conseguindo, um anjo foi enviado ao hospital para salvá-la e levá-la para perto Dele, onde receberia todos os cuidados, onde a dor seria trocada pelos longos cabelos que um dia teve, onde os gemidos voltariam a ser sorrisos, onde ela poderia, como nos velhos tempos, seguir cuidando da nossa família – desta vez, nos observando e cuidando lá do céu.”

A presença de espírito que teve, em um momento tão delicado, não é explicada por Edu como positivismo, otimismo ou qualquer outra coisa. “É um exercício de resistência”, explica, ressaltando a sua forma de ver a vida. “Para pular cada novo obstáculo, não posso dosar a força pensando no obstáculo que já passou. Tento pular com toda a força, de novo e de novo. É possível que eu seja mais persistente do que positivo. Eu procuro acreditar na vitória, mas jamais desconsiderei a derrota. E já experimentei bastante de ambas. Ainda assim, não entro em nada pensando em perder, embora tente me preparar para isso também.”

Como é que Pedro recebeu a notícia? “Nós comemoramos a boa notícia sob seus gritos empolgados. Ouvimos música e cantamos até ele adormecer. A manutenção da informação foi diária. Eu contava histórias de dormir, entregando a Ele a “evolução” do quadro de melhora – o renascer dos cabelos, o fortalecimento, a volta das possibilidades de andar, de se alimentar, de sorrir… Depois de quatro anos de sua partida, ainda hoje falamos de como ela deve estar linda e saudável. E agora acrescento à lista de felicidade dela o filho corajoso e responsável que ela tem.”

É com a consciência leve e a alma em paz que Edu transforma gradualmente sua resistência em uma alegre melodia. “Tenho plena convicção de que felicidade é ter tido a oportunidade de fazer tudo isso: ter me dedicado à minha família, construído um lar, ter lutado ao lado dela sem desanimar, cuidar de nosso filho com o mesmo amor e empenho de sempre, ter passado ao lado dele por tantas adversidades sem que a dor nos tomasse e ter reconstruído nossa família com alguém tão especial como Fabi. Não tenho outra alternativa, se não a de me classificar como alguém feliz.”

Para quem busca inspiração para resistir a qualquer adversidade, fica aqui a recomendação de Edu: “Lute com todas as forças que tiver. Lute por si mesmo e pelo outro. Simplesmente lute. O resultado disso não é necessariamente a vitória. Se ela vier, quanto melhor. Existe, porém, um encontro com a felicidade ainda que na derrota. É possível ser feliz pelo simples fato de lutar, por se orgulhar de não se entregar à adversidade, à dor ou ao sofrimento; e por ter a certeza de que nada é eterno – só o amor.”