Aline, em um raro clique na sua “miniatura de fábrica” (Arquivo Pessoal)

Como quase todo mundo, Aline sente dificuldade de se definir. Quando reflete sobre a sua jornada, ela só enxerga um processo lento, mas contínuo e muito sutil. Tudo lhe parece tão familiar, tão íntimo e intrínseco, que nem repara na beleza da sua narrativa. “Venho de uma família de imigrantes, de pessoas muito simples, mas com uma atitude muito positiva e otimista perante a vida, dispostas a estarem juntas, trabalharem e serem pessoas melhores. Minhas avós (tanto materna quanto paterna) eram apaixonadas por plantas e sempre tinham alguma pomada para picada de insetos (se bem que o perito mesmo era o meu avô Humberto) ou chás para isso e para aquilo. A minha mãe estava sempre experimentando flores do sítio para preparar perfume. Seu aroma favorito era da flor de coqueiro. Hoje vejo que várias pequenas coisas foram acontecendo ao longo da minha vida e que todas, mesmo as mais simples, me levaram para o caminho que trilho hoje.”

Sua história é um conto de fadas moderno, de uma heroína que nem se dá conta da sua coragem e do seu carisma para construir um novo mundo. Aline cresceu querendo ser veterinária, de tão apegada que era com os bichos. Os planos mudaram por causa da mãe, que a chamou para buscar uma encomenda em um lugar encantado. “Ao abrir a porta da farmácia de manipulação, me senti entrando em outro mundo. Um aroma delicioso de capim limão estava no ar, de um chá recém-feito, disposto em uma jarra térmica para quem quisesse degustar. Na parede verde claro, havia alguns quadrinhos em estilo vintage. Lá de dentro, uma mulher de jaleco branco, com touquinha e máscara, acenou para nós. Com preguinha nos olhos, percebi que estava sorrindo. Saí dali encantada.”

O seu sonho, obviamente, tomou outra forma. Aprendeu tudo sobre aquele ofício que acontecia em um “ambiente mágico e acolhedor”, formou-se em Farmácia Industrial e fez Mestrado em Ciências Farmacêuticas com linha de Pesquisa em Produtos Naturais. Durante algum tempo, o sonho ficou adormecido. Era preciso, afinal, pagar as contas.

Já nessa época, porém, ela teve uma prova do poder da sua alquimia. “Eu tinha uma alergia chamada disidrose e nada dava jeito, parecia só piorar. Foi aí que parei e pensei: puxa, eu, uma farmacêutica, com os conhecimentos que reuni até aqui, não posso fazer meu próprio sabonete e creme?”. A partir desse estalo, ela preparou seu primeiro sabonete e, logo nos primeiros usos, notou diferença. Motivada, aumentou o leque de cosméticos para uso pessoal. “Graças à minha disidrose, que sumiu e nunca mais voltou, consegui, mesmo que sem imaginar, dar a inspiração, o impulso e o norte para a busca do meu sonho.”

Só que ainda não tinha chegado a hora de torná-lo realidade. Como era recém-formada e tinha que “dar um jeito na vida”, Aline prestou concurso e foi trabalhar na universidade. Tinha tudo: estabilidade, bom salário, excelente colegas – exceto, o sonho. “Alguns me tacharam de louca, mas todo empreendedor tem que ter um quê de louco, senão não vai!”.

Assim, em 2009, ela construiu “uma miniatura de fábrica”, brinca ao se referir à medida exata de estrutura para lançar a Sal da Terra Atelier, na época voltada a artesanatos e a sabonetes. Ao longo do tempo, a marca passou pela mesma transformação da sua criadora. Em um ano, passou a se chamar Sal da Terra Saboaria, com dedicação exclusiva aos sabonetes, e, oito anos depois, se tornou a Sal da Terra Biocosméticos. “O nome veio por inspiração, de uma passagem bíblica. O sal, comparado às demais especiarias, embora utilizado em pequenas quantidades, é o que dá o sabor, que faz a diferença. Nossos produtos – e digo nossos porque somos uma empresa familiar – são produzidos em pequenos lotes, com o mesmo cuidado desde que começamos. Queremos fazer a diferença na vida dessas pessoas, que elas sejam cuidadas com todo o carinho e respeito que temos com a nossa família. Afinal, se o sal perder o seu sabor, perde também a sua finalidade.”

O que começou com um sabonete de erva-doce, conta hoje com 52 itens, fora os produtos em desenvolvimento. “Os cosméticos naturais são para todas as pessoas que desejam ter uma vida mais saudável, independente da serem veganas ou vegetarianas.” Aline explica que não basta ter alimentação e estilo de vida equilibrados. Pouca gente sabe, por exemplo, que tudo o que passamos na pele ou nos cabelos também é absorvido pelo corpo e tem implicações. “Imagine: depois de uma boa atividade física, você utiliza no banho um shampoo com sulfatos, um condicionador com petrolatos, um creme corporal com silicone, um desodorante com parabenos e alumínio… Você repete esse ritual amanhã, depois de amanhã, um ano, dois, a vida toda. Você cuida de tudo, mas está se intoxicando dia após dia através da sua higiene pessoal”.

É por isso que, nessa jornada empreendedora, Aline não abraçou somente a sua alquimia. Tornou-se também uma ativista da informação de qualidade, derrubando mitos e esclarecendo dúvidas. Um deles, é claro, está ligado a preço, já que os cosméticos naturais são sempre comparados aos convencionais, vendidos em farmácias e supermercados. “As grandes empresas de cosméticos convencionais automatizaram os processos produtivos, por isso produzem em grandes quantidades, beneficiando-se da economia de escala. Além disso, utilizam basicamente matéria-prima derivada do petróleo, mais baratas que a utilizada nos cosméticos naturais”. Quando colocado dessa forma, parece óbvio que o preço de um produto seja compatível com o custo de produção. Só assim se torna viável. “As fábricas de cosméticos naturais, por terem pouca ou nenhuma automação, produzem pequenas quantidades e não se beneficiam da economia de escala. Como produzem em menor quantidade, adquirem pequenas quantidades de matéria-prima.”

Assim como ocorreu com ela e com a Sal da Terra Biocosméticos, Aline acredita que este também é um processo de desenvolvimento e crescimento. “O mercado brasileiro está engatinhando, se comparado ao europeu e ao americano. À medida que se tornar mais receptivo, aumentarão também os investimentos, o que levará a uma queda nos preços dos produtos. Todo produto que traz um conceito novo passa por este processo.”

A comparação com os produtos convencionais é inevitável e, por isso, a informação é tão importante. “É muito comum a pessoa dizer, após utilizar um shampoo natural pela primeira vez, que esse shampoo não faz espuma, não limpa o cabelo. O que acontece é que os cabelos estão tão acostumados com um produto convencional, que estão quase que impermeáveis à limpeza por um shampoo suave. Esse período é a chamada Fase de Transição, tempo necessário para que os cosméticos naturais possam agir em sua plenitude. Não conheço uma pessoa que tenha feito a transição e voltado para os produtos convencionais. Recebo relatos todos os dias de resultados excelentes.”

A rotina empreendedora, ainda mais com uma quebra de paradigma dessa escala, não é fácil, mas Aline colhe motivação no tempo que passou a ter para a família, no orgulho do filho com a fábrica, na realização do seu sonho e no impacto positivo que ele causa na humanidade e no planeta. “Além das questões de saúde, como por exemplo a melhora de alergias, a hidratação de pele e cabelos, percebi que a escolha por produtos naturais transforma a vida das pessoas também no sentido de refletirem sobre o que elas estão expostas e que impacto isso representa na vida delas e no meio ambiente. Vejo também o desenvolvimento em cada um do “slow beauty”, uma beleza saudável, sem excessos, no ritmo e de acordo com o seu corpo.”

Por isso, apostar na natureza e em tudo que ela pode fazer pelo ser humano é mais do que um chamado do DNA ou do coração de Aline. É criar um caminho para restabelecer a ordem natural do mundo. Afinal, como diz a passagem bíblica que inspirou o nome da marca de biocosméticos: 

“Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens.”
Mateus 5:13