De todos os sonhos a se tornarem realidade, 2020 escolheu bem um que
mais se parece pesadelo: sair pelada na rua. A primeira vez (sim, teve mais de uma!) foi em um sábado ensolarado de Primavera. Nas primeiras horas da manhã, a cidade ainda adormecia e até os passarinhos pareciam mais preguiçosos. Lembro da brisa fresca, do colorido da árvores e da sensação de liberdade.

Andava com confiança: braços livres, quadril pra lá e pra cá, uma coxa raspando na outra, no balanço da música que tocava no ouvido. Foram 300 metros de pura pilantragem, como diria Wilson Simonal… até avistar
dois homens estranhos vindo em minha direção – um com máscara, outro sem. Fixei bem os olhos no último cidadão e, então, me dei conta de que não podia julgá-lo – eu também não usava uma. Em milésimos de segundos, meu coração disparou e eu me senti completamente… NUA.

Não sabia o que cobrir, como cobrir. Dei-lhes as costas e saí em disparada,
como se tivesse visto assombração ou sentido um abrupto aperto intestinal.
Provavelmente foi isso que meu pai pensou, quando entrei em casa feito um furacão, sem cor e suando frio.

Da segunda vez, não foi muito diferente. Saí de casa com a mesma euforia dos cachorros com a caminhada matinal e só meu dei conta do lapso mental dentro do elevador. A constatação da minha nudez se deu em câmera lenta: quando fui dar o joinha para o Big Brother, meu olho saltou e a mão parou no meio do caminho. Que pesadelo! Quase toquei meu rosto, mas péra, não, não pode, não naquela gaiola claustrofóbica, incubadora de vírus. Socorro!!!

Passei a apertar desesperadamente o botão do meu andar, na tentativa
irracional de interromper ou apressar o trajeto do elevador, que parecia mais lento do que de costume. Provavelmente o porteiro nem se deu conta da ausência da máscara, mas pelo sorriso notou meus olhares desesperados para a câmera, para a porta, para o painel, além da marcha desritmada dentro daquele espaço limitado.


Esse é mais um traço do “novo normal”: sair sem máscara é sair sentir pelado em público. Segundo o doutor Google, isso não é sinal de exibicionismo, mas de insegurança e desconforto com a realidade. Há quem diga que é uma “necessidade de renascimento”. Em suma, é a pandemia, ensinando autocuidado, empatia e uma boa dose de loucura, quer dizer, resiliência.

Alguém já passou por isso?

*** Esse texto foi, originalmente, publicado no blog Mais um Café?. Pegue a sua caneca e venha conversa com a gente no Facebook ou no Instagram.