A senhorinha encostou-se no muro baixo da casa, como se estivesse colando a barriga em um balcão de bar. Em vez de bebidas, frituras e guloseimas, ofereceu histórias sobre os outros habitantes da casa – 3
gatos e 1 cachorro. “Quem briga são os humanos. Esses aí convivem muito bem”, avisou, espatifando sem dó qualquer crença baseada em Tom e Jerry.

O morador mais bonachão é Thor, um Golden Retriever obeso e introvertido. A dona jura que ele tem apenas seis anos, mas a máscara branca que cobre todo o focinho denuncia uma idade mais avançada. É tão tranquilo, que um dos gatos o conduz até o quintal dos fundos, para aliviar, com privacidade, sua bexiga preguiçosa. Como?

É Dona Mariinha, cuja cabeleira branca camufla sua vitalidade, quem mantém um olho na rua e outro, dentro de casa. Jura que é só pedir: “Tino, leva o Thor fazer xixi. Vamos! Tá na hora!”. O gato obedece,
seguido do Golden, sem pressa, no seu balanço bossa nova, típico dos bon vivant.

Ambos escutavam nossa conversa. Thor ameaçava pular o muro, mas sabia que a redonda pança o impediria. Caprichou nos olhares e retribuiu os carinhos no pelo farto com generosas lambidas. Tino, desconfiado, manteve-se em prontidão na janela da casa. Vira-lata com porte egípcio, não escondeu seu menosprezo pela cena melada e melosa à sua frente.

Os outros dois moradores da casa? “Estão lá para dentro”, disse dona Mariinha, rindo dos hábitos antissociais das duas criaturas avessas à luz do dia e a papo furado.

*** Esse texto foi, originalmente, publicado no blog Mais um Café?. Pegue a sua caneca e venha conversa com a gente no Facebook ou no Instagram.