
Ela o carregava dentro de uma bolsa pequena de couro marrom. Uma biblioteca compacta, com livros em Português, Espanhol e Inglês, dos mais diferentes gêneros, apropriados a diversas situações, propósitos e humores.
Era a ele que ela recorria no metrô ou na sala de espera do dentista; entre reuniões ou nas fugas repentinas para um almoço solitário, só para terminar aquele capítulo que lhe esmagava o peito.
No meio dessa pandemia, mergulhou nele sem moderação. Se não podia pegar a estrada, era com ele que visitava lugares ou matava saudades. Se a sessão de terapia a quebrava, era nele que encontrava os pontos e vírgulas para os dilemas, sentimentos e memórias que a assombravam. Se o trabalho a absorvia, era nele que recarregava sua bateria.
O Kindle tornou-se, afinal, seu maior confidente – também o mais discreto e perspicaz. Guardava as frases e cenas que a comoviam; testemunhava as lágrimas que escorriam; despertava sonhos perdidos; a confortava pelos amores furtivos e não esquecidos.
A moça já era considerada pelos amigos uma evangelizadora. Chegou a tirar seu Kindle da bolsa, no meio de uma cervejaria, para explicar as funcionalidades do dispositivo. De quebra, deu ainda um spoiler dos livros em andamento (sim, sempre no plural!).
Sua dedicação à leitura não era uma fuga, mas um ato de resistência. As histórias despertavam saberes e acalmavam sua mente. Era o melhor remédio contra a letargia, apontando-lhe caminhos para empreender na vida. Inspirava-lhe uma convivência mais pacífica – consigo e com a comunidade onde vivia. Era assim que ela se poupava das maldades e das notícias, preservando em si as virtudes humanas mais bonitas.
Não era, por exemplo, impulsiva. Mesmo diante de um conflito, não disparava tiros. Respirava fundo e, naqueles breves segundos, escolhia com maestria as palavras que à situação mais serviam, benefício colhido, certamente, das leituras de cada dia. Afinal, ela não queria briga, nem desperdiçar energia.
A moça do Kindle não tinha abandonado os livros físicos. Gostava de sentir o cheiro do papel, de admirar a dança das letras e das ilustrações, de escutar o barulho das páginas virando, de contemplar o arco-íris formado pela lombada dos livros na sua organizada estante.
Para ela, não havia rivalidade. Ambos serviam ao mesmo propósito: alimentar a centelha divina e lembrá-la do potencial que um ser imperfeito tem de transformar e colorir vidas.
04/08/2021 at 9:07 am
Parabens. gostei muito ate parece uma pessoa que conheço. nao perco um
post,
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04/08/2021 at 4:08 pm
Quem será?
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04/08/2021 at 11:22 am
Parabéns, Tati! Que facilidade você tem com a escrita e que textos bonitos! Eles conseguem capturar a essência das coisas simples que, na correria da vida, nos esquecemos de obsetvar e valorizar! Edi
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04/08/2021 at 4:07 pm
Edi, que honra receber sua visita. Muito obrigada.
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