
Entre a escrivaninha e o fogão há mais semelhanças do que se pode imaginar. O processo para criar um texto e fazer o almoço segue, na minha opinião, a mesma fórmula: é uma grande jornada entre o mundo interior e exterior, temperada de aventuras e emoções.
Há de se começar sempre com um plano. Um bom texto surge de um roteiro bem definido – com objetivos e elementos para prender a atenção volúvel do leitor e lhe arrancar suspiros, likes e resenhas positivas. O sucesso do almoço também depende de um cardápio estruturado, que dará o tom de todo o preparo – da organização aos ingredientes que não podem faltar para agradar aos mais diferentes paladares e estômagos.
Como na vida, a teoria é uma coisa e a prática, outra. O processo de escrita e de culinária torna-se, logo após a largada, uma prova de fé e de fogo – literalmente, às vezes. Aquele desencadeamento “perfeito” de argumentos mostra-se, eventualmente, insuficiente ou confuso. Recusa-se a se endireitar sobre a página em branco, perdendo tônus, nexo e conexão em vários momentos. A falta de fluidez, do processo e do texto, só não gera mais desespero que a bagunça sobre a pia da cozinha, coberta de louças, vegetais e embalagens plásticas. Frequentemente a apetitosa salada da minha imaginação exige mais etapas do que a mistura, que teima em permanecer congelada horas após ser exibida sobre a bancada. Aquela olhadela no relógio coloca ainda mais pressão tanto sobre o cardápio, que já não parece mais tão fácil ou gostoso, quanto sobre o texto, que corre o sério risco de naufragar.
É nesse momento que eu questiono a minha capacidade – para entregar o texto ou o almoço – e a minha sanidade – por me propor a entregar um texto ou um almoço. Com a autoestima dilacerada, sinto-me no vestibular ou no Masterchef, obrigada a oferecer alguma coisa além da vergonha. Tomo fôlego e tento botar nova ordem. Leio em voz alta o texto, faço recortes, salpico novas palavras, confabulo uma nova história. Embalada pelo ronco do meu próprio estômago, tento reorganizar o cardápio, descobrir o que ainda pode ser feito, que sabor pode ser resgatado, descoberto ou refeito.
Uma fumacinha logo toma conta do escritório e da cozinha – ora pelo esforço descomedido, ora por uma distração, que empresta ao prato um sabor defumado ou uma aparência mais “bronzeada”. A exaustão segue sempre acompanhada de uma sensação de realização – seja pelo objetivo cumprido, seja por mais um ato silencioso de superação.
Chega, então, o momento em que “a obra” deixa de ser minha. Com um orgulho clandestino, entrego o texto ao leitor e o almoço à família. Não há mais nada a fazer ou a dizer – exceto desejar boa leitura ou bom apetite!
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