Era assim que João era conhecido no bairro onde morava. Trabalhou a vida inteira em um banco. Sua dedicação era elogiada pelos chefes: era o primeiro a chegar e o último a sair. Mal almoçava e férias, bem, essas ele fingia que desfrutava, porque continuava a frequentar o banco, só para desafogar os colegas e atender clientes preferenciais.
Nunca se casou. Com os vizinhos, por falta de tempo, era monossilábico. Não tinha amigos e até a família ele tratava como os clientes – com simpatia, na mesa de trabalho, tentando resolver mais de um problema ao mesmo tempo. Não sabia agir de outra forma. Não sabia viver de outra forma. Ao trabalho se resumia a sua vida; o banco era o seu sobrenome. Até o dia em que sua ausência foi sentida. Onde estava João?
No chão do banheiro, quase afogado em uma poça de sangue. Socorrido, deu entrada na emergência do hospital, onde passou dez dias internado. Não recebeu visitas. Sozinho, viu-se frente a frente com a monotonia dos bipes e dos passos distantes no corredor. Os médicos sugeriram uma mudança de vida, que não chegou de mansinho.
Ao retornar ao trabalho, foi chamado na matriz do banco e recebeu das mãos do superintendente o convite compulsório da aposentadoria. Sua contribuição durante décadas àquela instituição havia chegado ao fim, ainda que João argumentasse o contrário.
Nos dias mais escuros da sua existência, tomou por impulso uma decisão que parecia descabida: foi à loja de tintas da esquina e, para espanto dos vizinhos, pintou um banco abandonado em frente a um terreno baldio. Fundou ali o seu negócio.
Diariamente, sob chuva ou sol, recebia antigos clientes e pessoas que nunca haviam cruzado as portas de um banco. A eles oferecia empréstimos – não mais de dinheiro. Entregava-lhes sem custo a sua carteira de ativos: sua empatia, sua escuta, seu conhecimento em encontros que não tinham hora marcada, nem objetivos secundários. Bastava servir. Nada além disso.
Ao apostar na Economia do Cuidado, João recebeu algo muito mais valioso do que aquele relógio de ouro, símbolo da sua dedicação durante décadas ao banco padrão. Ganhava abraços sinceros, bolo de milho da Dona Maria, a disputa de bocha com os primos, o polimento cinco estrelas do menino Luiz, a buchada de bode do Sr Zezinho, além das fungadas dos vira-latas e o canto dos passarinhos que sempre lhe prestavam visitas.
Dia após dia nessa nova rotina, ele suspeitava que sua conta bancária e seu coração tinham o suficiente para viver. Após um ano, contudo, João decidiu rever seus investimentos. Observou que não havia somente recuperado a sua saúde. Com a cabeça já grisalha, teve a sua vida, enfim, restituída.
19/08/2021 at 10:35 am
Republicou isso em REBLOGADOR.
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19/08/2021 at 11:49 am
Ensinamentos que vão muito além do que imaginamos… Já conseguiu contar quantos momentos nos dedicamos mais ao trabalho do que para aqueles que realmente se importam por nós?
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