Emília não gostava de música, encontrava-se nos livros. Não sonhava com o príncipe encantado, mas em ser livre. Por isso, tinha sempre um verbo afiado na boca. A família e as amigas não se conformavam e a obrigavam, vez ou outra, a sair de casa. Foi em um baile, o evento mais esperado pela pequena cidade, que ela conheceu um rapaz de cabelo engraçado e óculos redondo. Sua voz tinha um ritmo diferente e suas mãos bailavam com o vento, como se ditassem as notas ao seresteiro.

Seu nome não podia ser outro: Tom. A mãe dizia que ele vivia fora de ritmo, pois estava sempre atrasado, distraído escutando os sons do mundo. “Quero descobrir a música da vida, mainha”, ele dizia enquanto batucava aqui e ali, ou encostava o ouvido em algo.


Tom não se importava com as broncas da mãe, mas ele descobriu, na noite do baile, que ela tinha razão quando o chamava de teimoso. Não é que ele não sossegou até convencer a menina, de cara amarrada, a dançar com ele? Como alguém podia não se deixar tocar pela música?


A insistência dele não se limitou àquela noite. Sem convite ou medo de rejeição, passou a visitá-la e, a cada encontro, lhe presenteava com uma música, de onde saíam diferentes histórias: sobre a composição, sobre os músicos, sobre os instrumentos, sobre os sentimentos que nele despertavam. “Uma hora eu descubro uma melodia que a agrade”, dizia.


A missão parecia impossível. A moça, mais casmurra do que ele, ouvia sem dizer uma palavra, sem esboçar uma reação sequer. Quando finalmente abria a boca era para dizer: “Tem um livro…”, perdendo-se novamente nos longos e profundos corredores da sua imaginação e memória.


Os outros, familiares e amigos, logo se cansaram daquela ladainha – a ponto de passar despercebido o sentimento que crescia entre duas criaturas tão distintas.


57 anos depois daquele baile em um terreno de terra vermelha, que subia aos céus com a batida dos pés, Tom e Emília ainda se encontravam todas as noites para uma dança particular, em que ele escolhia a música; ela, a história.

Esse post foi originalmente publicado no blog Mais Um Café?