O céu já estava escuro, quando passos começaram a ecoar pelo parque vazio.
“Só pode ser um homem”, sussurrou o menino, tentando injetar personalidade àquele eco, ora desalinhado, ora batuta, como se aquele ser corresse de alguma coisa ou para alguma coisa.
“Shiiiiiiu”, exigiu a menina, cujo pescoço se esticava e revirava como uma coruja, em busca da figura obscura ou da presa, pronta para defender o seu ninho ou garantir o seu sustento.
As árvores não ajudavam – inquietas, elas provocavam umas às outras, cutucando o vento com os seus longos braços cabeludos. Escondiam quem era observada, escondiam quem observava também.
“Eu viiii”, comemorou o menino.
“O quê?”, retrucou a menina, um tanto incomodada.
“Sapatos. Pretos.”
“Masculinos?”
“Pequenos?”
“O que você quer dizer com isso?”
O menino chacoalhou os ombros e ficou mudo. O silêncio sucumbia ao som das passadas, cada vez mais próximas.
“Há mais de uma pessoa?”, perguntou a menina.
“Não sei. Já não vejo mais nada.”
Os pequenos sapatos pretos nem imaginavam a intromissão em sua solitária jornada, guiada por uma batalha psicológica, um vai e vem de pensamentos, uma tentativa de fugir ou de encontrar o destino, onde quer que ele estivesse.
O couro bovino natural do sapato italiano comprimia um ponto do joanete que parecia calar toda racionalidade daquela pessoa, dona de canelas elegantes e panturrilhas indecorosas.
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