O céu ainda está escuro quando ele se senta em frente à janela do segundo andar do sobrado cor de terra. Passa o dia a observar o horizonte, sem esboçar uma reação, além de um discreto sorriso, perceptível pela covinha atrevida na bochecha direita. Parece inerte, quase apático, mas a verdade é que o seu interior está inundado pelo mundo à sua frente – a temperatura, os cheiros, os barulhos, os seres.
Há meses o relógio dele descansa na cabeceira da cama. Já não precisa mais dele para saber as horas. Já decorou o trajeto do sol, já aprendeu a intensidade de luz, já memorizou o comportamento dos pássaros até o anoitecer. A marca do relógio no pulso virou mais uma memória, uma mancha na pele de um passado distante, a lembrança de um engano ordinário do ser humano.
Agora, imóvel, ele finalmente vivia. Agora, no silêncio das manhãs, tardes e noites, ele enfim entendia.
Já não brigava com o tempo, não tentava comprimir a vida em uma agenda, nem reduzir o essencial a uma lista. Não precisava fazer mais nada para reconhecer e ser reconhecido. Não precisava competir com os outros nem consigo.
A vida estava bem ali – não diante dos seus olhos, a um passo de ser agarrada, mas em si. Como diziam os livros sagrados, a sua alma compreendia o mundo inteiro.
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