homenagem

Desde que me mudei, admiro a vizinha do 3º andar. Sempre elegante, com vestido engomado, salto anabella, cabelo impecável, perfume e maquiagem na medida certa. Para cada saudação, um sorriso e um aceno; caminha com a cabeça erguida, com passos lentos e firmes. Nas suas mãos, a bengala vira um acessório, que completa o figurino de uma Dama. 

Hoje, saindo para almoçar, avistei-a atravessando a rua e não resisti. Ofereci meu braço à Elegante Dama.

— Onde a senhora vai? Posso acompanhá-la até lá.

— Vou até o café comprar pão de queijo para o André [porteiro]. Ele trabalhou tanto, merece fazer um lanchinho gostoso. Depois vou almoçar. Sabe, já tenho até mesa cativa naquele restaurante.

— Então, acompanho a senhora até o café, depois a deixo no restaurante e levo a encomenda para o André. Estamos combinadas?

— Se não for te atrapalhar, eu agradeço. Você não sabe como me ajudaria. Tenho me cansado muito.

— Como a senhora tem passado?

— Hoje estou bem, mas há 3 dias dei um susto na minha família, o que foi bem feito porque eles tinham esquecido um pouco de mim. Imagine você que me levaram até para o hospital. Os médicos fizeram vários exames (os de hoje precisam de tudo isso) e no fim não disseram nada de novo: não tenho nada grave, mas umas coisinhas aqui e ali, típicas de quem tem 88 anos. Mas agora já estou bem. Você gosta de cinema?

— Sim, adoro.

— Eu também. Hoje é uma grande noite, né? Eu adoro o Oscar. Assisti todos os filmes – pelo menos, os que já estrearam. E sempre fico acordada até o último minuto.

— Tem um favorito?

— O Artista, porque cinema é isso – é criatividade, é emoção. Mas eu também acho que a gente precisa dar chance para as novas gerações. Por exemplo, a Meryl Streep. Ela já ganhou, já foi indicada tantas vezes…

— Mas a senhora não gostou dela nesse filme? Aliás, qual o nome da senhora?

— Glória. Meu nome é Maria da Glória, mas Glória é como todo mundo me chama. É mais curto, mais rápido. Gostei, mas, sinceramente, gostei mais da Glenn Close naquele Alberts Nobbs. Ela está fantástica.

—Sim, é verdade. Quem tem chance de levar é a Michelle Williams, que fez a Marilyn. Pelo menos, ela levou o Globo de Ouro.

— Esse eu não assisti, porque ainda não estreou. Mas vi que ela está muito parecida. A história da Marilyn é comovente. Ela era muito menina. Quando alcançou a glória, me desculpe o trocadilho, não aguentou, não tinha estrutura uma pena. Bom, eu fico por aqui. Depois conversamos sobre o resultado do Oscar. Até logo, minha querida.

— Até logo. Glória.


— *Esse texto foi publicado há cinco anos no blog  Os Indicados. Dona Glória faleceu meses depois, aos 90 anos. Foi integrar o Clube das Grandes Damas, certamente ao lado da minha bisavó. Ambas eram vaidosas e sentiam paixão pela vida.