Eles dividiam o mesmo espaço, mas viviam em universos distintos. Ele era de um departamento e só falava com a rapaziada, que era completamente ignorada por ela, que vivia em outro mundo e preferia outros papos, com outras pessoas. O território de um começava onde acabava a mesa do outro. Parecia que um muro invisível havia sido erguido. Sentavam-se lado a lado, mas nunca se comunicavam. Não trocavam um bom dia, um com licença, nem um até logo.
Passaram meses assim. Um só sabia o nome do outro por causa da placa de identificação na baia. Para ela, ele era um babaca infantil, que gostava de exibir a luva de boxe e só contava piada idiota. Ele não entendia qual era o problema daquela garota, sempre tão tensa e carrancuda, que falava baixo e teclava alto.
Até que um dia, ao passar pela mesa dele, ela disse um inaudível oi. As duas letrinhas escaparam relutante da boca dela, depois de um custoso exame de consciência. Ora, ela que sempre fora tão curiosa e aberta, seria justo mesmo julgar o colega de baia só porque ele tinha um gosto…duvidoso?
Mesmo sem nem entender de onde vinha o tiro, ele respondeu. Aquele oi deu abertura a outros cumprimentos, que viraram períodos simples e, logo, compostos. Não foi da noite para o dia, mas o muro invisível foi derrubado. Ele ofereceu uma gaveta para ela, que um dia o convidou para um café, que não muito tempo depois virou vários almoços. As diferenças hoje causam gargalhadas, porque eles descobriram que das amizades improváveis também nascem as conexões mais inesperadas e as memórias mais difíceis de apagar.
Os vizinhos não viraram um casal, mas uma dupla, separada fisicamente quando ela foi trabalhar em outra empresa. No livro que deu de presente de despedida para ela, ele escreveu uma longa dedicatória e reforçou por WhatsApp o vazio que a parceria selada deixaria. Ela, depois de descobrir que não se julga um livro pela capa, enviou a ele a seguinte mensagem:
“Compartilho um trecho do livro que me deu: “Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como imaginamos”. Você foi a minha viagem, a minha lição de vida. Muito obrigada”.
Ao contrário do que dizem, a primeira impressão não é a que fica.
* Os nomes foram omitidos para poupar a dupla de mal-entendidos. É um pequeno detalhe que de forma alguma ofusca a moral da história, tão útil em tempos líquidos.
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