23 horas no relógio. Laura só queria chegar em casa, tirar uma cerveja da geladeira e comer uma fritura que anestesiasse o estresse de um dia que nunca amanheceu – afinal, foi acordada pelo chefe asiático às 3h30 para gerenciar uma crise sem fim.
Quando enfim voltou para casa, percebeu que a porta estava destrancada. Gelou. Deixou a bolsa no hall e entrou devagar, com os sapatos de salto alto nas mãos. À medida que avançava, acendia as luzes dos cômodos. Sala? Livre! Cozinha? Livre? Banheiro? Livre! Quarto? Liv…
De repente, enxergou a sombra. Seus pelos arrepiaram. O grito não passou pela garganta. Logo no primeiro golpe, ela caiu de joelhos. Não teve tempo de sentir dor. Tentou se espremer debaixo da cama, o esconderijo mais manjado segundo os filmes de terror, mas logo saiu dali.
A perseguição apertou e, na corrida do quarto para a cozinha, trombou com a cômoda que lhe rasgou o braço. Por sorte, a frigideira de tapioca ainda descansava sobre a pia e foi ela que lhe salvou. Com um impulso, agarrou o cabo e disparou sua melhor ofensiva. Vários golpes, entremeados por lágrimas, obscenidades e grãos de tapioca, que voavam pela cozinha e emprestavam à cena um tom de magia.
Após alguns minutos, ainda ofegante, parou. Olhou o corpo arrasado e, sentada no chão, começou a rir indecorosamente. Foi interrompida pelo som da campainha.
“Dona Laura”, disse o porteiro, estendendo-lhe a bolsa deixada na soleira da porta. “Está tudo bem? Os vizinhos escutaram gritos e barulhos.”
“Você pode cuidar do corpo para mim, por favor?”, respondeu seca, sem qualquer formalidade, enquanto se encaminhava para o banheiro.
O porteiro entrou receoso no apartamento, que só não estava mais revirado que a dona, descalça, com o cabelo colado na testa, sangue nos braços e uns botões a menos na camisa.
Prendeu a respiração ao entrar na cozinha. Lá estava. Irreconhecível. Os restos da barata.
Esse post foi originalmente publicado no blog Mais Um Café?
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