
Em minha vaga lembrança de menina, minha avó morava em uma pequenina casa de abóbora, em meio a árvores esguias e flexíveis como bailarinas. Em um dia úmido de primavera, convidou-me para um passeio nos fundos, onde o mato estava tão alto que espetava minhas pernas e arranhava os meus braços. Ela parou junto a uma mesa e duas cadeiras já enferrujadas.
Minha avó me contou que cresceu em um lugar como aquele, onde a natureza era a dona de tudo e nós, humanos, os inquilinos. Sua casa era ainda mais miúda – praticamente um quarto, onde família e agregados se amontoavam. A cozinha e o banheiro ficavam do lado de fora. Ela nunca se esqueceu do dia em que tomou banho na companhia de um sapo de papo roxo e grandes olhos esbugalhados amarelos. Lavou-se no tempo de um Pai-Nosso.
Havia uma caixa avermelhada sobre a mesa e nela o nosso almoço, simulando a única refeição que ela tinha com os pais quando era menina: um copo de leite aguado e um pão tão duro que chegou a ferir minhas gengivas. As histórias da infância dela ficaram tão vivas em mim que mal dormi naquela noite. Minha mãe, ao descobrir a cama molhada, nem pensou duas vezes: passou a mão no telefone e ralhou com a minha avó, que resolveu, dali em diante, me levar para passeios mais leves. Voamos até o flamenco espanhol, as óperas italianas, as casas de chá japonesas, as tribos isoladas da Amazônia, os museus franceses…
Como ela sabia de tanta coisa?
Não sei. Assim como as professoras não entendiam como eu sabia tudo o que eu sabia. Até hoje as pessoas acham que eu invento tudo. Por isso me prenderam aqui. Mas minha alma… ah, a minha alma, esta segue livre, rodando o mundo, ao lado da vovó.
Rúbia
25/07/2022 at 4:12 pm
Adorei, “Lavou-se no tempo de um Pai-Nosso.” Essa irá para o meu repertório. Kkkkkk
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