Eu nunca imaginei morrer assim. Uma morte lenta. Trágica. Inesperada, pelo menos, para mim. A doença apareceu de repente. Não senti a picada, não tinha sintomas graves. Naquele dia 5 de Novembro de 2015, eu cumpria minha rotina tranquilamente, no meu próprio ritmo, sem nem imaginar o que iria passar nas próximas horas. Quando os corpos estranhos se espalharam pela minha corrente, eu não fazia ideia de que a minha vida mudaria, talvez, para sempre.
Já surfei muito e nunca pensei que seria engolido justamente por um tsunami. Muito irônica essa vida. Ou essa morte. Se esse for mesmo o meu fim, posso dizer que aproveitei ao máximo o tempo que tive. Ao longo do meu caminho, raramente estive sozinho, pois é da minha natureza viver em harmonia. Perdi as contas de quantas vezes vi o sol nascer e também nunca deixei de me emocionar quando ele se foi. Nunca entendi como alguém pode perder a luz e o reflexo da lua.
Sempre gostei de sentir o cheiro da terra molhada, como ela ganha vida, fica macia e permite que plantas, das mais diferentes texturas, comprimentos, sabores e cheiros, se desenvolvam, enfeitem ou alimentem outras vidas. Às vezes, confesso, me excedia. Afinal, quem nunca?
Jamais tive problemas com o silêncio, mas sempre preferi a conversa de pescador, escutar as gargalhadas e as músicas cantaroladas ou ainda aquele suspiro que sucedia o alívio aos belos dias de calor. Já sinto saudade disso!
De culpas, carrego somente a de ter despertado paixões. Não é um privilégio poder dizer isso? Quantos namoros acompanhei, casamentos espiei e sei lá quantos nascimentos presenciei. Foram muitos abraços apertados, beijos roubados e desejos consumados. Nunca gostei de despedidas, mas algumas foram inevitáveis. Você sabe, ao longo desse curso, a gente cria vínculos e nem sempre é fácil dizer adeus.
Lavei lágrimas de alegria e de tristeza. De crianças, de mulheres e até de homens barbados. Todo mundo sente dor. Por isso, nunca fiz diferença, nunca tirei sarro. Tenho respeito pela vida e, graças a Deus, sempre estive rodeado por ela.
Certa vez ouvi dizer que um menino tinha certeza de que havia nascido no dia em que me viu. A história aparentemente não era verdadeira, mas não duvido que exista por aí um caso assim. Muitos causos, verdadeiros e falsos, viraram livros, poemas, posts, conversas de botequim. Fizeram comparações, ganhei muitos apostos. Nunca me importei. Enquanto algumas histórias são imortalizadas, outras levarei comigo. São confidências e segredos confiados a mim ou ainda lembranças que queria ter esquecido. Todos sofremos desgastes ao longo da vida, nos deparamos com barreiras e infelizmente nem todos os desvios dão certo. Quem nunca desistiu de uma luta? Quem nunca se rendeu a uma luta? Certamente também falhei e peço desculpas àqueles que feri. Às vezes, certo ou errado, seguimos em frente do jeito que dá. Essa é a verdade.
Não estava pronto para partir. Quem está? Também não teria escolhido morrer dessa forma. Agradeço aos que estão sofrendo comigo ou estão em luto por mim. Sei que são muitos e é a vocês que me apego. Ao amor que tanto fez parte do meu curso. Fica a certeza de que acertei, de que a muitos ajudei e inspirei, de que tive uma vida bem vivida.
Admito que sou um otimista incurável e quero acreditar na tal chance de recuperação. Prometo que vou lutar, mesmo sem saber de onde tirar forças.
Na dúvida, porém, deixo aqui meu último desejo:
Mais do que sustento e poesia, que minha vida, minha luta e minha morte tenham servido como lição.
Assinado: Rio Doce
02/12/2015 at 3:06 pm
“Fizeram comparações, ganhei muitos apostos. Nunca me importei.” lindo, Tati!
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