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É impossível não se deixar contagiar pelos Jogos Olímpicos. Entre tanto exemplos, escolhemos falar hoje das mulheres, que ainda lutam por seus direitos, que batalham por igualdade no mercado de trabalho, que clamam por respeito e que também impressionam pela força e superação.

O título dessa conversa remete à capa da Folha de S.Paulo, que, no dia 09 de Agosto de 2016, celebrou com essa manchete a medalha de ouro da judoca Rafaela Silva. Nascida na Cidade de Deus, ela conviveu desde cedo com a perda de amigos para as drogas e para a violência. Rafa não se deixou limitar nem por isso e muito menos pelas ofensas raciais que escutou quando foi eliminada das Olimpíadas de Londres. “Acho que nós deveríamos aprender desde pequena a conquistar nosso espaço”, disse ao jornal.

Assim como Rafaela, Lohaynny, Marta e Yusra também descartaram o papel de coadjuvante da própria história. A primeira, filha de um integrante do Comando Vermelho, teve seu perfil destacado pelo inglês The Guardian. Após a morte do pai, a família se mudou para outro bairro e uma nova vida começou, com um esporte nada convencional para os brasileiros no centro. “Se eu não tivesse começado com o badminton, eu não sei o que eu teria me tornado”. Junto com a irmã, ela conquistou uma medalha nos Jogos Panamericanos de Toronto e foi comparada às irmãs Williams do tênis.

Já Marta e Yusra são figurinhas mais conhecidas da Rio 2016. A primeira é a maior expoente do futebol feminino brasileiro e cinco vezes eleita a melhor jogadora do mundo, enquanto a segunda é nadadora e uma das principais representantes do time de refugiados. Uma fugiu do sertão de Alagoas, onde mal tinha o que comer; a outra, da guerra da Síria. De terras tão distantes, as duas encontraram no Rio de Janeiro o símbolo de sua mudança.

Marta chegou à cidade maravilhosa para participar de uma peneira do Vasco. Passou, foi chamada para a seleção brasileira e viu sua vida mudar quando recebeu uma ligação da Suécia. “Caraca, Suécia? Deve ser um trote! Eu nem sei onde fica a Suécia”, lembrou a jogadora ao Jornal Nacional.

Yusra, com apenas 23 anos, chegou ao Rio depois de nadar pela sua vida e por outras 20 pessoas durante a travessia entre a Turquia e a Grécia. O barco em que estava fora projetado para acomodar apenas seis vidas. “Eu me lembro de tudo, claro. Eu nunca esqueço. Mas isso me empurra para ir cada vez mais longe. Chorar em um canto não é pra mim”, disse ao The New York Times.

E o que dizer da jovem ginasta americana Simone Biles? Ela ofuscou os deuses do Olimpo com a sua graça e performance e se recusou a ser classificada como um clone deles. “Não sou o próximo Bolt ou Phelps; sou a primeira Simone”.

As heroínas

Um dos temas colocados em discussão na Flip foi justamente se a literatura nacional reflete a imensa diversidade do nosso país. Reportagem do El País resgatou um “censo dos personagens de ficção”, que apontou que 90% eram homens, universitários, que moravam em grandes cidades (Rio de Janeiro e mais ainda São Paulo) e que tinham problemas típicos dessa classe social. Onde estão nossas heroínas?

Talvez se descobrindo. O título da matéria da Folha de S.Paulo nos lembra de uma premiada campanha  de uma marca de absorventes. A equipe pedia para que várias mulheres corressem “como meninas”. A primeira reação foi uma representação do estereótipo; só, então, as próprias mulheres tomavam posse de quem são, do seu próprio poder.

Talvez os Jogos Olímpicos sejam o gatilho necessário para que as mulheres passem a se olhar como verdadeiramente são. Afinal, exemplos não faltam também fora das arenas, piscinas e tatames. Todos os dias nós cruzamos com verdadeiras protagonistas, que vencem inibições e limitações e transformam o mundo ao seu redor. Podem não ser, ainda, maioria, mas são necessárias e celebradas em seus círculos.

A psicóloga Maria Cristina, por exemplo, resgata heroínas brasileiras que viveram em um país e em um contexto bem mais austero que o de hoje. A escritora Rose Kareemi Ponce resumiu, em um poema, assim:

“Nós somos aquelas que no trançar dos cabelos, escrevemos histórias de ninar para nossas filhas e netas.

Somos as viajantes nas noites enluaradas, desenhando constelações no firmamento de cada coração que se permite viver o encantamento da doçura.

Somos as que se aquecem no fogo sagrado de seus fogões nas noites escuras, preparando receitas, secando ervas, cantando canções.

Somos as que uivam pra lua, as que dançam vestidas de céu, as que celebram os ritos. 

Somos as que menstruam. Somos as parideiras e as parteiras. Somos as benzedeiras. As que rezam. Somos as que ensinam a cura, através do amor. Somos as que acolhem a dor dos viajantes no tempo. 

Somos o próprio tempo. Contamos a história do mundo, ao som do tambor de nossos úteros. As águas ecoam, cantam, contam e geram nas contas da Grande Mãe, as vidas de nossos filhos em nosso ventre, o vento me contou. 

Somos as que embalam nos braços, abraços serenos, ninando o mundo, acalentando a vida! 

Somos as que nutrem. Somos as que zelam. Somos as lobas. Somos as fêmeas. Somos as Deusas. Somos Todas!  Somos Uma!  E na unidade, tecemos os fios que unem as vidas, as almas, os sonhos…

E no tecer, enfeitamos jardins, flores-sendo as cores, desabrochando flores!”

 

 

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